10 coisas que aprendi a correr no UTMB
Comecei a pensar neste post há pouco mais de uma semana atrás, depois de ter concluído pela segunda vez o UTMB. Comecei a pensar no que escrever enquanto fazia a prova. Quando regressei a casa comecei a escrevê-lo umas 40 vezes, tantas quantas as horas que demorei até chegar ao fim. E de todas as vezes que comecei a escrevê-lo, parecia que algo maior se sobrepunha e me fazia voltar à estaca zero, à "folha" em branco. Porque só pode ser algo de tremendamente avassalador o que se apodera de nós, quando aquilo que fomos fazer (que é correr) se torna, com o passar do tempo, cada vez menos relevante, perante todas as experiências que podemos viver na montanha (e depois dela).
Não é que não me lembre da prova. Lembro-me bem de todos os detalhes e tenho boas e más recordações. Porque tive bons e maus momentos naqueles dias. Alguns de pura euforia e alegria de viver e outros em que só me apetecia estar a fazer outra coisa qualquer que não aquela. Assisti a vitórias e a derrotas, algumas que só não foram tragédias porque o destino assim não quis. A verdade é que continuo sem saber bem sobre o que escrever relativamente à prova. E, por isso, talvez deixe para mais tarde os assuntos mais detalhados: como me preparei (ou não), como abordei os 10 mil metros de subidas e descidas, o que comi, o que dormi, etc. Para já apetece-me começar pelo fim. Por aquilo que ainda hoje estou a aprender, depois da minha segunda participação no Ultra Trail du Mont Blanc.
1. Aprendi que a experiência conta para alguma coisa.
Uma das principais diferenças desde a primeira vez que corri o UTMB é que desta vez fui um bocadinho mais bem sucedido. Afinal de contas passou-se um ano e é natural que desta vez me tenha sentido menos apreensivo e mais à vontade, pois já sabia ao que ia e, assim, tanto o corpo como a mente estavam mais adaptados para a distância e a altimetria que ia enfrentar.
2. Aprendi que a corrida não é tudo.
De facto, no UTMB, mais do que em qualquer outra situação por que já tenha passado, a corrida é remetida para segundo (ou terceiro) plano. Acredito que para a grande maioria, uma prova assim seja uma experiência e não uma corrida, onde não corremos uns contra os outros, mas nos juntamos todos num evento capaz de nos mudar por dentro. Se alinharmos à partida com a atitude que esta é uma prova para desfrutar, teremos com certeza uma melhor experiência. Em determinados momentos, estar na presença de montanhas com mais de 3.000m de altura - e conquistar algumas - é uma sensação tremenda. Faz-nos sentir pequeninos, que é como de facto somos. É em locais assim que nos remetemos para a nossa simples insignificância, sorrimos e dizemos "É uma bênção estar vivo para aproveitar isto!". Tão bom!!!
3. Aprendi que devemos escutar a montanha.
Temos que saber completar a equação com todas as suas variáveis. E a montanha está cheia delas. As que pensamos que estão a nosso favor e as outras que a qualquer momento podem jogar contra nós. Se em 2014 alinhei à partida debaixo de chuva, este ano o calor foi o inimigo. Estariam cerca de 35ºC à partida e, mesmo assim, muitos foram os que ousaram correr como se a prova tivesse metade da distância. Se há quem esteja preparado para aquelas condições, a maior parte certamente não estaria. Aquela parte que treina todo o ano ao nível do mar e vai fazendo umas provas maiores aqui e ali. Nada é igual ao Mont Blanc, nem à combinação da distância com a sua altimetria, nem à agressividade que nos esperava em alguns trajetos, em algumas subidas e descidas.
4. Aprendi que não treinei muitas corridas, mas não foi preciso.
O meu treino para este ano focou-se muito mais em treino de ginásio do que em corrida. Fiz alguns treinos longos, aproveitando uma ou outra prova aqui e ali para acumular quilómetros mas, como não temos montanhas para treinar, preocupei-me muito mais em trabalhar os grupos musculares que iriam ser solicitados durante a prova: abdominais, quadricípedes, glúteos e mesmo braços, costas e ombros. Sim, praticamente todo o corpo. Até mesmo coisas conhecidas por "palavrões" como propriocepção, sabem o que é?
5. Aprendi que os "caminhos" estão cheios de obstáculos.
Tive muita sorte durante este ano de treinos para o UTMB. Mas o azar bateu-me à porta 2 meses antes da prova, com um acidente de moto que me obrigou a ficar 1 mês parado a curar feridas. Felizmente não resultaram dali danos maiores para ninguém e pude retomar os treinos aos poucos. Há até quem diga que ter descansado aquele mês me fez bem, obrigando o corpo a repousar e permitindo uma carga extra no ginásio depois disso. Seja como for, aprendi a lidar com aquela paragem forçada e a pensar que, não interessa o que acontece, interessa sim como reagimos. Tal como no treino para uma prova destas, também a vida não acontece certamente de acordo com todos os nossos planos. Não importa o que aconteça, a chave está em aprender a gerir os obstáculos que aparecem à nossa frente, sem perder a vontade de fazer o que mais gostamos.
6. Aprendi que correr com um amigo faz a diferença.
É um facto, podemos fazer tudo sozinhos. Mas nunca teria o mesmo sabor do que se o partilharmos com alguém. Correr do início ao fim com um amigo levou-me a estar mais ágil, mais disponível, a pensar melhor, até mesmo a correr melhor. Ele foi o parceiro que todos gostavam de ter, apreciando tudo o que eu apreciava, alegre e positivo, mesmo quando as situações nos eram desfavoráveis. Partilhámos momentos de conversa, mas também silêncios respeitosos e reconfortantes. Devo-lhe muito este ano.
7. Aprendi que misturar a família não só é bom, como é doping!
Da mesma forma que é bom correr com um amigo, também é bom trazermos quem mais amamos para nos acompanhar naquilo que mais gostamos de fazer. Envolvam a família e os amigos nestas coisas, permitam que eles sejam parte da vossa corrida, do vosso percurso, da vossa estratégia. Não há nada melhor do que a meio da noite num sítio estranho ouvir aquelas vozes conhecidas gritar por nós, ou na chegada a um ponto de abastecimento tomar o melhor "suplemento" que a vida vos pode dar. Sim, os abraços e os beijos (também conhecidos por "abreijos") são o melhor doping que jamais conhecerei!
8. Aprendi que é bom termos uma razão para chegar ao fim.
Ao longo de algumas etapas do UTMB é fácil duvidarmos do que estamos ali a fazer e pensamos mesmo em parar. Há momentos em que um só quilómetro dura uma eternidade e só nos apetece ficar por ali. Mas depois penso nisto, neste blog, nos apoios e patrocínios, em todos vocês que seguem estas aventuras, na minha mulher e nos miúdos no final à espera, na minha família que me acompanhava ao longe, nos amigos. Pensei em todos os sacrifícios feitos para ali chegar e na felicidade que sentiria ao atravessar mais uma vez aquele pórtico em Chamonix. Se não tivesse estas e muitas outras razões para chegar ao fim, provavelmente teria parado.
9. Aprendi que conseguimos das coisas aquilo que lhes damos.
"Dá tudo o que tens e verás tudo aquilo que te dá". Não podia ser mais acertada esta frase escrita na minha bandeira. Quando alinhamos numa prova como esta, não podemos mentir para nós próprios. Ou estamos preparados, ou não estamos. Se não estamos, mais tarde vamos pagar caro por isso. Assim é na corrida como no dia a dia. Se não estamos preparados, se não trabalhamos, se não nos alimentamos, ou se não treinamos, mais tarde vamo-nos arrepender. Temos que querer muito fazer o que nos propomos fazer e trabalhar para sermos bem sucedidos. Os atalhos não funcionam.
10. Aprendi que podemos fazer sempre mais do que pensamos.
Quando comecei a correr, lembro-me de pensar que correr o Passeio Marítimo de Oeiras de uma ponta à outra e voltar era um sacrifício tremendo. Lembro-me da alegria que vivi aí, quando fiz pela primeira vez 10km. Nessa altura estava a treinar para a minha primeira maratona e correr uma ultra maratona era coisa quem nem pensava fazer. Muito menos numa montanha. Pensava que aquele território estava reservado para escaladores e alpinistas. Mas não. E ainda bem que me enganei. À medida que aumentava as distâncias e a dificuldade dos objetivos, comecei a perceber que o limite estava mais na minha cabeça do que no meu corpo. Não quero dizer com isto que sejamos imortais. Tudo é fruto de trabalho e da preparação adequada. Mas acredito que somos todos mais fortes, mais destemidos e mais inteligentes do que muitas vezes julgamos ser.
Segundo um antigo ditado Tuaregue, "Deus criou o deserto para que o Homem pudesse descobrir a sua Alma". Eu digo que provavelmente criou a montanha para o mesmo fim.