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Ex-Sedentário - José Guimarães

A motivação também se treina!

Sex | 31.05.13

Onde está a felicidade?

José Guimarães
  Este mês partilho convosco pensamentos muito positivos e nutritivos para corpo e alma a outro nível daquele que é habitual. Recentemente o espaço Ana Carolina Soares - Saúde, Nutrição e Equilíbrio acolheu mais uma área que vínhamos a sentir necessidade de contemplar: a Psicologia/Psicoterapia. Não se trata de vos impingir aqui nada. Gostava apenas de partilhar algumas ideias da Dra. Sofia Monteiro sobre... felicidade! Imagino que frequentemente se tenham detido a procurar a chave que abre as portas a uma vida mais feliz pensando ter que desenvolver capacidades fantásticas quando, afinal de contas, só precisamos de afinar o modo como as usamos para que a vida seja vida, seja crescimento. São inúmeras as áreas em que almejamos ser felizes. No amor, na família, no trabalho e serão também inúmeras as vezes em que as rotinas ocupam um espaço mental que nos retira a energia necessária para mudar hábitos e evoluir positivamente na criação de um mundo “nosso” mais aprazível, onde apeteça mais morar. A felicidade resulta de muitos fatores que funcionam como combustíveis, e em competências que todos nós possuímos. Existem formas de oxigenar o nosso sistema de felicidade, que são fáceis e acessíveis a todos, pois ferramentas como a criatividade, otimismo e empenho são baratas e estão disponíveis imediatamente. A decisão de mudança para melhor, mediante os projetos que temos e a satisfação que pretendemos alcançar, é o momento de viragem. Um excelente exemplo para quem quer aprofundar este assunto é o projeto Action for Hapiness, que procura ajudar as pessoas a serem mais felizes a partir de 10 chaves. Vale a pena espreitar o site onde o lema não podia ser claro: “let's put the things that matter first”! Todo o processo que proporciona momentos felizes, mais calmos e serenos trará inevitavelmente resultados de sucesso, experiências de superação, novidades acerca de nós e que delineará novos limites do nosso mundo interno – que, com certeza, se tornará um lugar mais aprazível, acolhedor e potenciador de novas e gratificantes vivências. Ser feliz é um passo que se dá na direção das NOSSAS prioridades, da NOSSA essência. É um processo. Pode exigir um maior ou menor dispêndio de energia, conforme seja a personalidade, a história de vida e as ambições que cada um transporta e alimenta, respetivamente. Se procura sentir-se melhor, se pretende adotar uma perspetiva positiva e trabalhar para a mudança, tente adotar algumas das dicas que lhe deixamos: - Aproveitar os momentos - a felicidade resulta dos atos quotidianos e da forma como a cultivamos. Vem de pessoas e experiências que nos reportam para sentimentos de segurança e constituem “portos de abrigo”. Quanto mais disfrutarmos cada momento, mais “tesouros” teremos acumulados para revisitar, sempre que o medo ou o stress nos deixem mais desanimados. - Escolher quem nos rodeia - no nosso mundo existem sempre interferências que retiram estabilidade emocional e que frequentemente afastam a sensação de alegria. E há momentos em que nos sentimos mais sozinhos e em que se torna difícil suportar a angústia. Devemos, então, tentar identificar quem são os elementos que nos proporcionam maior bem-estar, privilegiar a sua companhia e adaptar os seus exemplos de práticas bem-sucedidas. - Aprender a viver no aqui e no agora – assumindo que a felicidade não é um continuum, mas que as alegrias cumulativamente vão aumentando a felicidade. Tentando perceber que as fases da vida em que infelicidade foi predominante, funcionaram como amadurecimento e preparação de novos projetos e proporcionaram mudanças de atitude benéficas. - Não visitar o passado- a maioria das pessoas que se sente mais feliz cultiva o hábito de não relembrar o que correu mal no passado e perdoa aqueles que de alguma forma influenciaram negativamente as suas vidas. Uma história de vida recheada de episódios simples e felizes, de experiências de sucesso, de pessoas diferentes e marcantes, ajudam na construção da sensação de bem-estar e de riqueza emocional. - Ser simpático – segundo dados científicos, a simpatia, quando aplicada nos diversos contextos, produz feedback, fazendo com que as pessoas que nos rodeiam tenham vontade de retribuir com atos e comportamentos positivos. Aumentando o número de relações e fortalecendo laços, incrementamos a qualidade de vida no seio familiar, no trabalho e noutras esferas. - Sentir otimismo – relativamente aos problemas que surgem no quotidiano, aproveitêmo-los para produzir mudança, se possível, impregnando-a com a sua vontade e criatividade. Disfrute a viagem como treino, para viver no presente. Em simultâneo, deve planear e traçar objetivos claros e práticos, para que a mudança seja vivida com o mínimo de ansiedade e com o máximo de realização! Quando falo sobre este tema lembro-me sempre do Dr António Coimbra de Matos, psicanalista de renome no nosso país considerado um otimista nato - partilho aqui uma das entrevistas que mais me tocou. Em tom de brinde: ao início de uma jornada feliz e frutífera, convidamo-lo(a) a partilhar experiências, alterar padrões e aumentar os seus “níveis” de FELICIDADE! Sofia Monteiro - Psicóloga clínica ACS
Qui | 30.05.13

O verdadeiro Bailinho da Madeira: a minha 1ª maratona de trail

José Guimarães

Diagnóstico: entorse no pé; joelhos magoados; pernas atrofiadas. Antídoto: uma tremenda satisfação própria: terminei a minha primeira maratona. A Madeira já não é invencível e terá sempre um sabor especial!

Rewind... rewind... play!

Voltemos umas horas atrás neste filme, até às 21h15 de dia 24 de Maio, Machico. Ponto de encontro para os corajosos (ou deverei dizer loucos?) dos 115 km, os bravos que iriam aceitar o desafio de atravessar as montanhas da ilha da Madeira, de uma ponta à outra, na prova Madeira Island Ultra Trail (mais conhecida por MIUT). Junto aos autocarros, a emoção crescia ao ritmo dos aplausos com que nos despedíamos à medida que os víamos partir sem saber quando os voltaríamos a ver. Do Zé despedi-me com o coração bem apertado, com um “Diverte-te! Vemo-nos amanhã!”, fazendo figas para que todos acabassem bem a prova, sem lesões e com o ânimo bem carregado! Estava na hora de concentrar-me naquele que seria o meu desafio.

06h00, toca o despertador: a aventura vai começar!

Depois de um pequeno-almoço que teimava em não descer, preparado pela D.Lurdes, a “responsável nutricional” durante a nossa estadia na Madeira (mãe do nosso amigo Samuel que nos recebeu na ilha), o nosso autocarro partia rumo ao Pico do Areeiro, uma verdadeira Torre de Babel graças à variedade de idomas que se falavam na linha de partida dos 42km do Trail Município do Funchal. Estava nas nuvens - literalmente! A 1.818 metros de altitude, só via aquela que parecia uma cama de algodão por baixo dos nossos pés, iluminada pelo forte sol que tanta cor dá à Madeira. A meu lado, partia Diogo Fernandes, um amigo do Porto que viria a conquistar a voar o 2º lugar nesta prova - parabéns! Aquecimento feito, 10h00 no relógio, começa a prova!

“Lixei a prova”

Perdoem-me este título, mas foi na primeira coisa em que pensei quando, ao fim de 300 metros da partida, torci o pé. Como qualquer amante do trail running, torcer pés, fazer arranhões, escorregar, cair... é o pão nosso de cada dia, certo? Não nos queixamos. E mais: são como pequenas medalhas que aumentam o nosso orgulho quando cruzamos a meta. Mas esta torcidela... ui! Fui ao chão e as dores eram tão fortes que não conseguia mexer o pé: “lixei a prova”, pensei eu. Alguns minutos depois, a decisão tinha que ser tomada: desisto ou continuo? Ora, antes de ir para a Madeira, alguns amigos e familiares, perguntaram-me se eu conseguia fazer esta prova. Afinal, conhecem-me bem, sabem que não sou disciplinada com treinos e tinham noção, tal como eu, que não tinha feito uma preparação adequada e que esta prova seria uma loucura. É um facto, não tinha como negar! Mas é aqui que encontramos o busílis da questão: sabem aquela sensação única de terminar uma prova, superar o nosso corpo, ultrapassar os nossos objectivos e atravessar a linha da meta com o sentimento “eu sou capaz de tudo”? Pois bem... São esses breves segundos de glória pessoal que me fizeram decidir continuar. Não queria desistir. Levantei a cabeça e pus-me a caminho. Afinal, ainda faltavam 41km e 700m e eu tinha que aproveitar enquanto o pé ainda estava quente para não inchar mais e continuar a correr.

Não acredito em anjos da guarda... mas tive um!

Ao contrário da maioria da prova, os primeiros cerca de 14 km eram mais técnicos, mas num tipo de terreno matreiro, em que pedras soltas misturadas com terra húmida, que escorrega como manteiga, dominavam nesta primeira parte. São as provas técnicas que mais aprecio, talvez pela gestão do esforço ser-me mais confortável, não tendo tanto plano para rolar. Mas, mais uma vez, as contas saíram-me erradas: pela falta de preparação (mea culpa, admito!), os meus joelhos começaram desde logo a ceder. Não estava à espera que isso acontecesse tão cedo, mas foi mais um contratempo neste enredo, martirizando-me sempre que havia um mínimo de inclinações. E foi assim que as partes planas se tornaram as minhas melhores amigas nesta prova (esta é para aprenderes, Inês!).

Além do nível de dificuldade e beleza das provas de trail running, há o terceiro elemento que mais aprecio nestas provas que as distingue das de estrada: o companheirismo. O Zé já partilhou convosco alguns episódios, destacando o último no artigo sobre o MIUT e, seguramente, aqueles que correm por esses montes fora já se depararam com esta magia que paira sobre as provas de trail. Por volta do km 16 (não tinha relógio com GPS, logo nem o Norte sabia onde era) ouço alguém dizer-me após mais uma escorregadela: “são joelhos?”. Ora, parecia que me estavam a fazer o diagnóstico! Com a boa disposição que levo sempre comigo, para além da mochila, respondo a sorrir que sim, joelhos e uma entorse no pé desde o início. Era o Orlando Lopes. Não acredito em bruxas nem em anjos. Mas o Orlando foi o meu anjo da guarda nestes 42 km. E porquê? Porque tendo vivido episódio semelhante no MIUT do ano anterior, já imaginava as dores que eu estaria a sentir e, no lugar de seguir a prova dele com os seus bastões (fundamentais em subidas e descidas), parou e entregou-mos com um “precisa mais deles do que eu, neste momento”. Em troca, levou o bastão que eu tinha improvisado nos últimos quilómetros com um ramo, qual pastora me sentia! E seguiu a sua maratona. Confesso: um sorriso banhado em lágrimas de emoção por este gesto único deu-me forças para continuar. O Orlando tinha abdicado dos seus bastões por mim, por isso agora tinha mesmo que terminar. Ainda faltavam mais de 20 km para Machico!

Luta final: o Atlântico, eu e o som das árvores

Para alegrar os momentos em que (tentava) corria e caminhava sozinha, gritava “força!” aos atletas das provas dos 115 km e 85 km que passavam por mim, altura em que pensava como estaria o Zé? Quando faltavam apenas 12 km para o final, recebo o telefonema dele com a excelente disposição de quem parece que só correu 5 km. Agora era ele que estava no Pico do Areeiro para iniciar os seus últimos 42 km de prova, animado e com força para aguentar!

Confesso que estes últimos 12 km foram os mais difíceis: depois de ouvir por duas vezes a playlist que levava para esta prova, estava com dores, cansada e sentia-me só. Pensava nos verdadeiros atletas que aguentam mais de 24h de prova, algumas delas completamente sozinhos. Foi aqui que percebi: esta é que é “a” fase em que lutamos contra a nossa mente. É neste momento que a única imagem que queria e me esforçava por ver era a meta. Queria sentir aquela sensação de cruzá-la. E, nas últimas subidas e descidas, com o ruído do Atlântico a bater nas rochas ao fundo do penhasco, vinham-me à lembrança as mensagens de amigos e familiares enviadas durante a corrida que me deram o shot de energia final para percorrer a última levada até à meta.

Estive no topo do (meu) mundo e consegui!

Ao som de “On top of the world” cruzei a meta, a conter as lágrimas de alegria que teimavam em cair pelo orgulho que senti em terminar a minha primeira maratona de trail, ao fim de 10 horas, cruzando a meta a correr com aquela força que surgiu não sei de onde. É certo que não foi bem como queria, já não conseguia correr, longe das cerca de 7 horas que contava levar no máximo, mas consegui chegar e com um trambolho no lugar do pé, sem joelhos. E sim, senti-me a maior do meu bairro! Na meta, esperavam-me desconhecidos que me aplaudiam nos metros finais ao ritmo das minhas últimas passadas, amigos que me aguardavam com um sorrido na cara e de braços abertos para me receberem no fim da minha primeira maratona - obrigada, Telmo Dourado! Bolas, a emoção é única e não vos consigo traduzir em palavras! Mas recomendo, experimentem esta sensação, façam a vossa maratona de 42 km ou mesmo de 5 km: tudo o resto vos vai parecer fácil. Estive no topo do meu mundo e consegui.

Obrigada aos amigos que me encorajaram, aos familiares que me deram a energia que precisava, ao Zé pela inspiração dos seus sucessos. E obrigada ao Orlando que me emprestou os bastões que me guiaram à meta deste percurso lindo com uma organização fantástica. Este foi o filme da minha primeira maratona.

 
Qua | 29.05.13

Correr na Madeira, a ilha de Neptuno

José Guimarães
  Conta a lenda que, um dia, Neptuno (o deus do mar) resolveu agarrar num punhado de terra, juntou-lhe uma mão cheia de sal e pôs-se a brincar aos castelos (tal como fazemos na areia da praia, quando somos crianças). Assim formou a ilha da Madeira, um jardim florido, cheio de escarpas abruptas, nascido no oceano Atlântico, que eu e quase 500 pessoas tiveram o prazer de conhecer de uma forma diferente e muito próxima: a correr!

O que é o Madeira Island Ultra Trail

MIUT 2013Conhecido no mundo das corridas por MIUT, o Madeira Island Ultra Trail é uma prova de trail running que consiste em atravessar a ilha da Madeira de uma ponta à outra a correr. Tão “simples” como isto. Começando na zona de Porto Moniz, conhecida pelas suas piscinas naturais, a prova termina em Machico, 115 quilómetros depois. Claro que para “apimentar” a coisa, a organização não facilita muito o percurso, delineando-o ao longo de algumas das mais tortuosas e épicas paisagens da ilha, com direito a um pouco de tudo: subidas íngremes, escadarias intermináveis, declives verdadeiramente a pique (quem tenha vertigens, abstenha-se), zigue-zagues no meio da floresta laurissilva, mas também cenários deslumbrantes. Ouso mesmo dizer que as paisagens que encontrei na ilha da Madeira estão ao nível das mais bonitas paisagens do mundo!

Corrida e amigos

Já é conhecido o espírito de companheirismo de que se reveste o trail running. E quanto mais pratico esta modalidade, mais me convenço que este é o espírito que pretendo viver e transportar para outros desportos e mesmo para a vida do dia-a-dia. Já muito antes de partir de Lisboa, que os preparativos para tamanha epopeia deixavam a pairar no ar alguma ansiedade. Algo perfeitamente natural neste tipo de coisas. Seja pelas previsões sobre como correr tamanha distância, como pelo planeamento do equipamento e da alimentação necessários, seja mesmo pela tentativa de adivinhar o que nos espera num cenário totalmente novo, correr mais de 100 quilómetros pode não ser uma experiência nova para alguns, mas correr mais de 100 quilómetros num local como a ilha da Madeira traz à superfície muitas variáveis que poucos sabem como controlar. No entanto, quando estamos entre amigos, as coisas têm sempre mais possibilidades de correr bem. E mesmo que no início a maior parte dos participantes sejam perfeitos desconhecidos, cedo este espírito que se vive no trail nos torna a todos membros de uma grande família. Aqui tenho que deixar uma nota para o meu companheiro de corrida, o Miguel, com quem tive o privilégio de partilhar esta prova durante mais de 27 horas. Não é fácil para ninguém fazer uma corrida deste tipo, pelo que encontrar um bom companheiro faz com seja mais fácil ultrapassar pelo menos metade das dificuldades. E falo tanto das físicas como (principalmente) das psicológicas. A ti Miguel, o meu muito obrigado e… respect!

A dificuldade das subidas

[caption id="attachment_3918" align="alignleft" width="150"]MIUT 2013 Estanquinhos Início da subida para Estanquinhos[/caption] Uma das maiores dificuldades para se ultrapassar nesta prova são as subidas. Desde que chegamos à ilha da Madeira formatados para correr, que não vemos outra coisa à nossa volta que não sejam as paisagens formadas por verdadeiras paredes de alturas intermináveis. E mesmo no local da partida – Porto Moniz – enquanto esperamos pela hora “H”, podemos observar bem uma dessas "paredes", a primeira subida. Como se ela lá estivesse para nos dar as boas vindas ao MIUT. Porto Moniz fica virado para o mar e rodeado a quase toda a sua volta por uma elevação de quase 400m de altitude. Logo após a partida somos brindados com essa primeira subida. Um pequeno teste feito em estrada e pelas veredas acima, quase sempre em bicos dos pés, tal era a inclinação. Esta era primeira de muitas subidas que iríamos encontrar no caminho… mal sabíamos que era uma das mais simples. Passados pouco mais de 20 km de prova e depois de já termos enfrentado uma outra subida até acima dos 1.000m de altitude, enfrentávamos agora a subida que vai de Chão da Ribeira até Estanquinhos. Embora ainda estivéssemos "frescos", esta talvez tenha sido uma das mais agressivas de toda a prova, pois em pouco mais de 4km de percurso subimos 1.200m de desnível positivo (D+). Não me recordo do tempo que demorámos para cumprir este trajeto, mas sem dúvida que foram os 4 km mais lentos de toda a minha vida. E passaram tão lentamente, que chegámos com 7 horas de prova ao posto de controle, quando o mesmo fechava 7h30 depois da partida. Impressionante o tempo que havíamos “queimado” neste trajeto! Mas estava cumprido o primeiro “quilómetro vertical” do MIUT. E ainda haviam mais pela frente.

Mais subidas… e também descidas

Como tudo o que sobe tem que descer, depois da grande subida até Estanquinhos enfrentávamos agora a equivalente (e grande) descida. Se as subidas podem ser terríveis em determinados aspetos, para mim as descidas revelam-se bem piores para as pernas, principalmente em longas distâncias. A meio da descida, eu e o Miguel, em perfeita sintonia pensamos e dizemos um ao outro: “Sabes que se agora continuamos assim, mais logo vamos pagar bem caro por isto, não sabes?” Ambos tínhamos noção que estávamos a abusar um pouco naquele troço, mas numa descida tão divertida e longa quanto esta, tornava-se difícil não a aproveitar. Afinal estávamos ali também para nos divertirmos, certo? Mas também tínhamos noção do muito que ainda tínhamos pela frente e, com pouco mais de 30 km de prova decorridos, não nos podíamos dar ao luxo de estourar já as pernas só porque nos apetecia ter alguma diversão. Até ver, as coisas estavam a correr bem e para continuarmos assim teríamos que saber gerir o esforço até ao fim. Portanto refreámos o ritmo. [caption id="attachment_3920" align="alignright" width="150"]MIUT 2013 Curral das Freiras Curral das Freiras[/caption] Outra grande subida igualmente agressiva esperava-nos depois do posto de abastecimento do Curral das Freiras (km 60). Esta aldeia fica situada num vale a pouco mais de 600m de altitude e está completamente cercada por montanhas. Para sair daqui, a única hipótese é mesmo subir. E a nossa próxima etapa tinha como objetivo atingir o Pico Ruivo, a 1.861m de altitude. Estou a falar, portanto, de mais outro “quilómetro vertical”. A juntar à dificuldade da subida, há que salientar o fator psicológico que foi totalmente posto à prova, já que subíamos, subíamos, mas parecia que estávamos a ser levados cada vez para mais longe do ponto que queríamos atingir. O que eu me lembrei do UTSM e da “conquista” do castelo de Marvão. [caption id="attachment_3916" align="alignleft" width="150"]MIUT 2013 - Pico Ruivo Pico Ruivo[/caption]

Progredir lentamente, mas progredir

Numa altimetria total que nos falava em mais de 6.600m D+, aos 75 km estávamos no Pico do Areeiro, um dos pontos mais altos da prova (quase 1.900m de altitude), onde o Samuel nos esperava com a família, para nos apoiar... ok, e para nos retemperar a alma com um potente café e uns biscoitos de mel caseiros. Ah! E uns Cheetos aos quais não consegui resistir! Impressionante a quantidade de coisas supostamente "más" que nos sabem tão bem nestes momentos de autêntico apetite! E bem precisávamos destes mimos, pois partir daqui a tortura viria de outras formas e feitios (literalmente). Apesar de já não termos tanto desnível positivo para fazer, o cansaço acumulava-se e fazia-se sentir agora nas pernas, nos pés doridos e no feitio (bom e mau) de cada um. As descidas intermináveis e os pisos instáveis (que nos massacravam as pernas e pés), acompanhados pelo início da segunda noite, agora com chuva e frio, causavam muito desconforto físico adicional e foram nesta fase o verdadeiro teste de auto-superação. Mesmo com jogos mentais, pensamentos positivos e conversas para distrair a mente, conseguir correr eficazmente a partir de uma certa fase é um pouco como nadar numa piscina cheia de gelatina... nunca o fiz, mas deve ser difícil à brava! Nesta última parte da prova a maior dificuldade foi, sem dúvida, progredir, ou, como quem diz em linguagem menos técnica, conseguir ver os quilómetros passar. Como os nossos GPS já tinham ficado sem bateria há muitas horas atrás (mesmo assim o meu aguentou-se 11 horas), a única referência que tínhamos além da hora do dia eram as indicações que conseguíamos obter nos pontos de controle e nos abastecimentos. Nesta fase, cada quilómetro de prova parecia equivaler a um treino de 10 km. Progredir de novo no escuro e com o sentido de orientação completamente “torrado“ é das piores sensações por que já passei a correr. Vale-nos a companhia, dos amigos e dos outros atletas com quem nos juntamos ao longo da prova e com quem partilhamos uns olhares de cúmplice sofrimento, mas quase sempre com um sorriso no rosto. Os últimos quilómetros da corrida devem ter sido a maior provação por que já passei nas poucas provas longas que já fiz. Às páginas tantas creio que corri umas dezenas de minutos em completo silêncio, dentes cerrados, sem articular uma palavra, irritado com a progressão lentíssima que tínhamos. Mesmo com Machico já à vista lá ao fundo, as fitas pareciam teimar em nos levar cada vez para mais longe. Aquela última levada parecia não ter fim e a descida através de um campo povoado de cabras (à noite garanto-vos que são uma visão ímpar) faziam-nos sentir como se escoássemos rapidamente as últimas gotas de força que ainda resistiam. Mas claro, vindas não sei bem de onde, lá aparecem novamente as pernas. Aquelas que nos conseguem levar nas últimas centenas de metros a correr. Primeiro apareceram quando vimos as caras conhecidas do Samuel e da Inês à nossa espera à entrada do túnel de acesso a Machico. Depois, nas últimas dezenas de metros antes da meta, quando de repente parece que não há dores, não há cansaço, só há mesmo aquela vontade de cortar a meta e dizer “conseguimos!”… e não é que conseguimos mesmo?

“Ao lado do teu amigo, nenhum caminho será longo”

Tal como é quase impossível captar a essência de uma bonita paisagem com uma simples máquina fotográfica, reconheço que o turbilhão de emoções que ainda guardo dentro de mim sobre esta prova me impede de fazer descrições muito pormenorizadas. Se me perguntarem diretamente alguma coisa, prometo responder a tudo, mas para já isto é o que consigo descrever. Contudo quero concluir este longo e incompleto relato, constatando cientificamente e com a ajuda da tabela de tempos finais o tal espírito de camaradagem e companheirismo que falei há uns parágrafos atrás e que parece estar bem patente em todos os atletas. Senão abram o link e reparem só nos grupos que cortam a meta com os tempos quase iguais. Como diz um antigo provérbio japonês: “Ao lado do teu amigo, nenhum caminho será longo”. Eu e o Miguel enfrentámos esta prova e garanto-vos que nos sentimos verdadeiramente abençoados por cada quilómetro e cada momento que nela passámos juntos. Outros atletas, como o Zé Carlos, o Edgar (que nos acompanhou durante algumas horas), o Miguel, o João, o Rui, a Inês e tantos outros, à sua maneira terão com certeza vivido a sua experiência. Só por isso, a todos eles tiro o chapéu pela coragem que tiveram em enfrentar este tipo de desafio, em situações que só cada um sabe. Aos que não puderam estar presentes, garanto-vos que estiveram bem presentes em pensamento. Finalmente, mais que uma simples corrida, posso afirmar sem qualquer dúvida que participar no MIUT foi, pelo menos para mim, uma verdadeira experiência. Uma daquelas experiências que ficam e que se querem repetir um dia mais tarde. Para já voltamos aos treinos, sempre com os próximos objetivos em mente… e eu com saudades que certamente me farão regressar. Fica prometido!  
Qua | 22.05.13

Crónica de um pequeno treino na ilha da Madeira

José Guimarães
  5 km, 460 D+ Para quem costuma fazer trail running, as siglas do título deste post não serão totalmente estranhas. São o resumo do meu treino de hoje, um dos últimos antes do MIUT no próximo sábado. O que está por detrás destas siglas são a enormidade de declives que há aqui na ilha da Madeira. Vejamos: Hoje tinha 5 km para fazer no plano de treinos, uma pequena rodagem antes da prova de sábado, pelo que decidi ir explorar as redondezas aqui na Calheta, onde estamos "sediados". Claro que olhei logo para cima, para as antenas de telecomunicações no topo do monte. As antenas são, juntamente com as eólicas, uns dos pontos que normalmente temos que atingir no cume das maiores elevações, nas prova de trail running. Portanto parti à conquista! calheta_topoDe acordo com o meu GPS, a casa onde estamos na Calheta fica a 360m de altitude em relação ao nível do mar. Optei por seguir estrada acima e seguir por uma vereda que me disseram ser bastante inclinada, a qual sobe até às ditas antenas. Disseram-me ser bastante inclinada, mas não me disseram que em pouco mais de 2 km de corrida iria subir mais de 400m de desnível. Foi o que aconteceu: aos 2,6 km de corrida estava a 820m de altitude. Tinha trepado 460m... pufff, pufff!!! Não cheguei às antenas, pois como não queria fazer mais que 5 km no total optei por voltar para trás e encontrar outro caminho para regressar. Não foi o mesmo caminho, mas também não foi mais dócil que a subida. E até pode ser verdade que "para baixo todos os santos ajudam", mas estas inclinações dão cabo de quaisquer quadricípites mais ousados. Regressado a casa, deu para olhar para trás e pensar como vai ser no mínimo desafiante o próximo sábado: lá pelo quilómetro 21 teremos 4 km de percurso com cerca de 1.200m de desnível positivo (D+)... isto promete!
Ter | 21.05.13

A ilha da Madeira já ali

José Guimarães
  É inevitável lembrar-me dos momentos que antecederam a minha primeira maratona. Tal como é inevitável recordar a ansiedade antes do início dos 166 km do Ultima Frontera Trail, 1 ano depois dessa primeira aventura. Amanhã parto para a ilha da Madeira, para participar no MIUT - Madeira Island Ultra Trail e... e é inevitável não pensar nisso. Amanhã por esta hora já estarei "a teclar" na ilha da Madeira. No sábado por esta hora já levarei mais de 17 horas de prova e sabe-se lá onde andarei eu e os meus companheiros de corrida. Por um lado, estes pensamentos podem encher-me a cabeça com uma série de preocupações prematuras, que não vale a pena ter antes de uma prova, seja ela qual for. Por outro lado, pensar nesta corrida, imaginar-me nas magníficas paisagens da ilha da Madeira (classificada como Património da Humanidade pela UNESCO em 1999) faz-me voar e coloca-me bem lá no meio da ação! Confesso que já de há algum tempo para cá que, até quando estou na elíptica lá do ginásio, me imagino a trepar pelos declives do MIUT. Chamam a isto de processo de mentalização... Desde que tudo isto das corridas começou passaram-se pouco mais de dois anos. Passaram-se muitas provas mas também muitos treinos, algumas lesões (por sorte nada de grave), muito compromisso e um universo de pessoas capazes de me dar todo o apoio, carinho e mais força do que aquela que alguém pode precisar. Acreditem que, ao lado desta, a energia que está contida nas saquetas de gel energético conta muito pouco. Estejam mais perto ou mais longe, vocês sempre estiveram presentes e a todos dedico mais esta etapa rumo ao grande objetivo.
A felicidade não está no fim, mas no caminho...
Há quem diga que "a felicidade não está no fim, mas no caminho...", portanto estou oficialmente em contagem decrescente para mais uma etapa desse meu caminho chamado Felicidade. A minha e a vossa também! Corra como correr, vou acima de tudo usufruir! E sugiro que, estejam onde estiverem, façam o mesmo. A vida é mesmo para ser vivida assim, com intensidade! A partir de amanhã não sei quando vou conseguir voltar aqui à net. Mas para já deixo a todos vocês mil abraços e sorrisos e… um até breve!!!  
Dom | 19.05.13

Choveram estrelas em São Mamede

José Guimarães
  Choveram muitas, sim. Choveram estrelas em forma de granizo. E choveram estrelas em forma de gente, gente que cortou a meta dos 100 km depois de mais de 6.000 metros de desnível acumulado. Foram mais de duas centenas os atletas que às 00 horas de dia 18 largaram ao som do tiro de partida, em busca de uma medalha de cortiça. Destes 200, alinharam à partida 22 senhoras. Umas eram craques, outras supersónicas, umas assim-assim e depois... depois havia eu: a caracoleta dos trilhos.

Como vim parar aqui?!

"100?! Nem pensar!", disse eu quando terminei os 50 km de Sesimbra em abril. Passados três dias fiz o upgrade da inscrição nos 42 para os 100 km em São Mamede. Está visto que sou uma "miúda" carregada de fortes convicções. Só podia naturalmente aventurar-me na estreia dos três dígitos com a garantia de que seria (bem) acompanhada. Joaquim Adelino e Luís Miguel... Escolta até aos 100 assegurada! 18 de maio. Chegou  o dia. Estou moderadamente tranquila durante toda a manhã e tarde. Depois das 21 horas instala-se a ansiedade. Eu que faço sempre muito barulho, sento-me encostadinha na parede do corredor do pavilhão de onde partiríamos daí a poucas horas. "Estás pálida, Susana", dizem alguns amigos. Acho que sim, que estava. Medo! O que serão 100 km?! Na dúvida, o melhor é ir "espreitar" como é.

Começa a loucura

Noite escura. A única iluminação é a dos frontais de centenas de atletas que correm pela Serra de São Mamede dentro. Logo nos primeiros quilómetros da prova oiço os guizos das ovelhas. Penso na Inês e no Diogo e, instantaneamente, a cabeça começa a traulitar "havia um pastorinho, que andava a pastorar, saiu de sua casa e pôs-se a cantar (...)". Esta canção infantil viria a ressurgir noutros pontos da prova, a cada vez que era confrontada com o chocalho de guizos. Felizmente, não tive o azar do meu amigo Pedro Quina, que se deparou com 150 cabras e o respetivo cão-pastor que lhe cortaram o caminho!

A subida às antenas e a chegada ao PAC 2

Passado o primeiro PAC (Posto de Abastecimento e Controlo, para quem não conhece a sigla), iniciava uma das mais temíveis subidas desta prova: a subida às antenas. Teríamos que vencer um desnível de cerca de 1.000 metros ao longo de 10 km. Senti que precisaria de um isotónico especial. Fui buscar o ipod - único momento da prova em que o fiz - e, já com as mãos geladas, ofereci-me o piano de Ludovico Einaudi. Apesar de dura, confesso que foi das experiências mais emocionantes destes 100 km. Nem lua, nem estrelas para nos iluminar o caminho. A noite cerrada, o nevoeiro, o vento, a luz do frontal, eu e Einaudi. A cada vez que o Ludovico tocava uma tecla, eu espetava vigorosamente os bastões no solo. Foi um daqueles momentos a que podemos chamar de genial! Depois de muito subir, chegamos finalmente ao ponto mais alto deste nosso Portugal a Sul do Tejo. No meu caso, 5h06m depois da partida. O frio e vento são terríficos e alguns atletas estão em dificuldade. Tento aquecer-me como posso e vou para junto de uma fogueirinha. Saí de lá a cheirar a borralho, mas quente. Iniciamos depois um lindo trilho em "single track", que se prolonga serra abaixo. Quando o termino, já tenho o aviso da manhã a querer nascer. Aquela luz que não se sabe muito bem se está o dia a começar ou a terminar. Aquele azulinho acizentado.

Low battery. Your system will shut down in 5 seconds.

São 7h22. Estou há mais de 7 horas a monte. Não dormi. Mordo um figo seco. Estou verdadeiramente a entrar em queda. Apercebendo-se disso, os companheiros de corrida, Joaquim e Luís, falam comigo, mas eu já nem respondo. Limito-me a esboçar sorrisos. Continuo a correr mas já não estou ali. Avisto a Barragem da Apartadura. Esforço-me para contemplar a sua beleza. "E se desse um mergulho?", penso. Teria acordado, isso é certo. Só mais um pouco e chego ao PAC 4. "Café?", pergunta um dos elementos da organização. "Triplo", respondo. Não sei o que tinha aquele café. Não sei se era triplo. Mas aquele café ressuscitou-me. Voltou a Susana.

Chegar a Marvão

Depois da meia bifana no PAC 5 (Porto de Espada) começa mais uma subida. Lá em cima, olhamos para a direita e vemos Marvão ao fundo. Lindo Marvão. Rapidamente deixou de o ser! Tão perto, mas tão longe. Ziguezagueamos, subimos, descemos. Subimos de novo. Contornamos o monte que eleva Marvão e voltamos a descer. Para depois o subir. Senhores organizadores... Irei descobrir quem desenhou este troço do percurso, saber onde mora, descobrir a sua viatura, furar-lhe os 4 pneus e desenhar um "S" de "Susana" no "capot". Talvez seja presa por isso, mas será um delito praticado com muita convicção! Enfim, talvez lhes perdoe, porque depois do pesadelo da subida, entro finalmente em Marvão, recebo 100 sorrisos de vários membros da organização (curiosamente, quando os questiono, nenhum é responsável pelo desenho do percurso) e uma sopinha que me aconchegou o estômago que, há muito, reclamava por algo mais do que figos secos. É também em Marvão que agarro pela primeira vez no telemóvel. A alegria era tanta que anunciei a chegada aos 60 na minha página pessoal do FB. Desconhecia o que me esperava, mas assegurei que chegaria ao fim. Achava eu que a subida a Marvão seria a maior provação do desafio! Nesta altura apercebo-me, também, do reboliço que vai no meu mural. Dezenas de amigos acompanhavam-me a par e passo e "gritavam" palavras de incentivo. Não esquecerei estes gestos. Poderia esquecer Marvão, mas isto não.

A caminho do km 70

Deixamos Marvão. Para além da sopinha, aproveitei também para mudar de vestido. Retirei o equipamento estilo "casual" e adotei o estilo "cerimónia". 60 quilómetros já estão, mas se ainda tenho 40 pela frente, tenho mesmo que usar o equipamento da Frostie. Tenho que descobrir a Anna Frost que há em mim. Pode ser ilusão minha, é certo, mas aquele equipamento dá-me outro ânimo. Passamos Portagem e, uma vez mais, perco-me em pensamentos com a Inês e Diogo. Há um ano atrás, um pouco menos, andavam ali a saltar para dentro da piscina fluvial. Mergulho, sai, mergulho, sai. Não sei se lá consigo voltar tão cedo. Marvão fica mesmo acima! Deparo-me com a "minha" estrada. Adoro aquela estrada. Ladeada de árvores de ambos os lados, com os troncos pintados. Infelizmente, só gozo metade da sua extensão. Esta gente não quer nada com alcatrão e rapidamente nos põe a correr em cima de pedra. Toca a voltar para a esquerda! Esperam-nos mais umas subidinhas. E granizo, muito granizo. No final de mais uma subida, olho para trás. Lá muito ao fundo, a serra com as antenas ao topo. Estive lá há algumas horas atrás. Em frente, Marvão, que acabei de subir 34 vezes. "O que me espera agora?!", penso.

Chovem almôndegas em Portalegre

Não eram almôndegas, mas era granizo do tamanho de almôndegas. Batem-me nas pernas, agora descobertas com o equipamento Frostie. Reclamo com toda a energia que ainda me resta, mas São Pedro não me dá ouvidos. Felizmente estamos a poucos quilómetros do PAC seguinte - Carreiras. Ao chegarmos, abrigamo-nos debaixo da tenda. Vários atletas chegam, entretanto, e dizem que ficam por ali. "Como é a nossa vida?", pergunto ao Joaquim e Luis. "Continuamos, claro, foi para isso que aqui viemos", responde convictamente o Luís. Se estivesse só na prova, tenho a certeza que teria ficado por ali. Não teria tido forças para continuar. E seguimos rumo a Castelo de Vide.

O sol espreita mas... granizo de novo!

Estou gelada mas, finalmente, a chuva parou e o sol espreita. Tento correr um pouco mais e consigo secar o equipamento. Continua o sobe e desce. E vem uma nuvem. Uma nuvem carregada de pedras. Desaba novamente uma chuva de granizo sobre nós e corro como se não houvesse amanhã. Corro e choro, confesso. Estava desesperada. Ainda faltava tanto! Não conseguiria suportar o resto se São Pedro continuasse a despejar almôndegas em cima de mim. Pela primeira vez agasalho-me com a manta de sobrevivência. Seria a única forma de me aquecer. Bebo um chá a escaldar no PAC 8, Castelo de Vide. Está quase. Vamos lá para o quase que falta.

Lama não foi muita, até que..

Apesar da chuva intensa dos últimos dias, São Mamede não nos ofereceu muita lama. Depois de um longo estradão em terra batida, em que me debatia com as pernas porque se recusavam a correr num terreno perfeito para o fazer, surge um desvio para a esquerda. Avanço seguindo as marcações. O terreno parecia sequinho. Mas não estava. Enterro um sapato. Para o conseguir tirar, enterro o outro. Saí de lá (calçada, felizmente) com 2 kg de lama em cada pé. Precisaria de correr outros 100 km para soltar a lama que ficou agarrada aos ténis. A lavagem é também uma boa opção!

Ermida da Penha, 95 km

Já está quase, mas apetece-me ficar sentada por aqui. Quanta simpatia com que somos recebidos! Que animação! Sugeriram que bebesse uma cerveja. Eu até teria bebido e esquecido que odeio cevada fermentada, mas estou certa que cairia redonda no chão e teriam que me carregar até à meta. Confesso que naquele momento cheguei a pensar que era uma boa solução para o problema que ainda tinha pela frente... 5 kms. E o sol a pôr-se. Deixei os elementos da organização com tristeza e... e desci como pude os 236 degraus que me apareceram pela frente. Engraçadinhos, muito engraçadinhos estes organizadores. Reitero a história do "S" no "capot" que escrevi acima. Mas a malandragem não terminava aí. O lema desta prova é seguramente  "descubra a forma mais longa e penosa para chegar do ponto A ao ponto B". O estádio ali tão perto, mas... ziguezagueamos sem fim e perco o norte.

100 km, que são 102 ou 103 km

O meu Garmin perdeu o pio há muito. Não sei quantos quilómetros levo ao certo, mas já vejo os holofotes no estádio. Sim, o sol já se pôs. Teria gostado de chegar antes de desaparecer. Quem sabe da próxima vez! Entramos no estádio - eu e o Luís, pois o Joaquim teve que terminar aos 90 km com fortes dores - e sorrio. Faço a festa e respiro profundamente. Terminou. Consegui.

O balanço

Estive 21h30 por entre vales e montes para completar os meus primeiros 100 km. Teria gostado de ter conseguido correr mais. Caminhei muito, muito mesmo. Subi, desci. Sorri, chorei. Acreditei, mas também pensei que não conseguiria. Quis deixar cair o corpo nos bancos dos PACs e deixar-me ficar por ali. Mas quis mais voltar a correr. Tive frio. Nunca tive calor. Tive sono. Senti genica. Quando anunciaram a vencedora feminina do UTSM - Júlia Conceição - eu estava algures entre o km 60 e o 70. Levaria ainda mais 8 horas para os terminar. Fico absolutamente maravilhada com estas atletas. Completar aqueles 100 km em 13h20 é para gente de outro planeta!

Day after

Deixámos Portalegre para trás. "Com tanta terra aqui a direito foram espetar connosco lá no meio da serra", diz o Joaquim Adelino. Gargalhada geral. Chego a casa com duas medalhas. Tive que fazer um choradinho junto da meta para trazer duas. Desta vez tinha que pôr uma ao pescoço da Inês e outra ao pescoço do Diogo. Não havia espaço para partilhas. À minha espera estão vários desenhos. Um deles, da autoria da Inês, mostra uma mamã corredora. "A minha mãe correu 100 km", escreveu ela.  
Ter | 14.05.13

Este desporto que nos une!

José Guimarães
  Estes últimos dias têm sido verdadeiramente de loucos. Alguns de vocês mais próximos de mim no dia-a-dia já sabem que, de um momento para o outro, passei de desempregado de longa duração para alguém sem muito tempo disponível. Primeiro foram os projetos no marketing e logo depois as formações, que felizmente têm corrido bem. E há uns dias ainda apareceu o convite para trabalhar na Pro Runner, no Parque das Nações. No meio de tudo isto, os treinos intensificaram-se da malta do ginásio ninguém tem descanso! Ainda para mais agora que treinamos para os triatlos. Portanto, além do sedentário se ter tornado maratonista e agora estar novamente um pouco sedentário (o trabalho "online" tem destas coisas), também começou a fazer natação... e só não pedala porque não tem bicicleta (para já só pedalo na bicicleta do ginásio), mas isso também é algo que tem de mudar. Resumindo, foram duas semanas sem descanso em nenhuma frente. E para já as corridas continuam, dessas mas não só. Este fim de semana tive amigos a correr em todo o lado, em Portugal e em Espanha. Uns foram fazer os 101 km de Ronda, outros estiveram no Iberman no Algarve, entre Vila Real de Santo António e Ayamonte. Outros ainda (eu incluído) encontrei-os na Corrida do Fórum Montijo, onde fui no passado domingo com pessoal aqui da loja e das TAF. Já não fazia uma corrida de 10 km desde a estafeta do Triatlo do Estoril, na pista de sobe e desce montada nos jardins do Casino do Estoril. Como correu bem? Muito bem até! O ambiente de muita festa junto ao Fórum Montijo animava um mar de gente a perder de vista, com muita motivação e vontade de aproveitar uma bonita manhã de domingo de forma diferente e saudável. Um dos meus objetivos era trazer algum pessoal aqui da loja de volta para o ambiente das corridas, altamente viciante e motivador, mas até que foram eles quem mais me motivaram para ir, já que os últimos treinos têm-me feito chegar ao fim de semana sem muita força para me levantar cedo e ir correr. Custa combater a inércia inicial, como sabemos, mas depois, no final ficamos sempre um gostinho especial na boca e um sorriso no rosto. É inevitável! A Carolina e a Andreia impuseram o seu ritmo de prova calmo e certinho logo desde início. Acompanhei-as nos dois primeiros quilómetros, saltitando entre uma e outra para ter a certeza que estava tudo bem e entretanto arranquei à procura da Teresa, que não sabia onde estava (mas sabia que estava por ali). E como é a pessoa do grupo que mais corre, supostamente estaria num qualquer pelotão mais para a frente da prova. Mal eu sabia que se tinha atrasado na partida e tinha ficado para trás. Conclusão: encontrei toda a gente, menos a Teresa, que me fez correr desalmadamente e afinal chegou uns 20 minutos depois de mim. Tiradas as fotos de família (obrigado à Sandra e ao Bruno da Correr Lisboa), rumei a casa para saber novidades dos restantes aventureiros. O Quina ainda devia estar a dormir em Espanha, porque ninguém sabia dele, mas as redes sociais já fervilhavam com notícias e fotos das restantes provas por esse país fora. E com muita curiosidade troquei as primeiras impressões com o Luís, que acabava de participar no Iberman, a prova ibérica que contou nesta edição com a distância half-ironman, mas pretende realizar no dia 5 de Outubro a primeira prova de distância Ironman. O relato detalhado, esse, deixo-o para o Luís, mas as impressões que já trocámos e os conselhos foram mais do que úteis. Obrigado Luís pelo detalhe e pela tua paciência... e pela tua inspiração! A ver vamos o que farei no dia 5 de Outubro... pode ser que até lá ganhe o Euro Milhões ou algo assim! Foi um fim de semana recheado de emoções para todos. E entretanto já cá estamos de novo a trabalhar... e a treinar. Independentemente do que fazem ou deixam de fazer, o mais positivo foi sentir que somos tantos (ou tantas minorias) e tão ligados a isto de praticar desporto, que onde quer que estejamos é inevitável sentirmos que temos que partilhar algo com outros, seja aquela foto, aquele pensamento, aquele arrepio quando se conseguiu chegar ao fim ou aquela lição que se levará connosco até à próxima tentativa. É bonito sentir que à parte de tudo o que de pior se passa no nosso país e no resto do mundo, sejam crises, tiroteios ou atentados sem sentido, a raça humana ainda vai mantendo as ligações que importam e que nos fazem verdadeiramente sentido. Para mim, estas ligações que o desporto cria fazem-me todo o sentido! E já provaram que estão para ficar.
Sex | 10.05.13

2,5 km sem parar!

José Guimarães

Quem me segue regularmente e apanhar este título será capaz de pensar muitas coisas, inclusive que talvez eu quisesse escrever 250 km, mas enganei-me e em vez disso escrevi 2,5 km. Na realidade coloquei a vírgula para não suscitar dúvidas, mas em todo o caso achei que devia explicar. Hoje fiz 2,5 km sem parar. Mas não foi a correr, foi a nadar. E senti-me tão realizado como da primeira vez que fiz 10 km a correr. Sim, lembro-me como se tivesse acontecido ontem.

Os meus primeiros 10 km

Já foi há algum tempo, mas ainda me lembro como se tivesse sido ontem. Correr 10 km seguidos deve ter sido uma das maiores realizações pessoais que fiz na corrida, talvez só superada pela minha primeira maratona. Estava a treinar no Passeio Marítimo de Oeiras com a Ana Sofia Caetano, uma companhia ocasional de algumas manhãs a correr à beira mar. Na altura ora corria 5 km, ora 6 ou 7 km, ora a tempo... tudo gerido pelo plano de treinos do RunKeeper, comprado com a finalidade de treinar religiosamente para a Maratona de Munique. Um dia íamos os dois na conversa, quando ouço um apito inédito vindo do telemóvel. Ainda me lembro, estávamos a chegar à praia da Torre, a caminho da praia de Carcavelos, na zona conhecida por "rabo da baleia" (abram o link do Passeio Marítimo, pois creio que a primeira foto é desse local), quando ouvi o tal apito. Quando olhei para o telemóvel e vi a tal marca "10 km" não quis acreditar! Não só a tinha ultrapassado, como ainda tinha de chegar ao carro, estacionado na zona do Inatel. Contas feitas, no final concluí um dos meus primeiros treinos grandes à séria! Foram 12 km. Senti-me nas nuvens!

Os meus primeiros 2,5 km

Comparativamente com isto, nadar 2,5 km é (para mim) muito mais difícil do que correr seja que distância for. Correção: era muito mais difícil. Agora passou a ser só mais difícil. Acontece que os treinos que tenho feito desde há algum tempo para cá me têm ajudado a evoluir bastante em todas as disciplinas. Concretamente no que diz respeito à corrida, apesar dos problemas recentes que têm surgido, correr tornou-se bastante mais fácil do que antes, tudo graças ao treino que tenho feito em ginásio com esse objetivo. Já na natação, nunca me passaria pela cabeça sentir-me à vontade cobrir uma distância grande. Ou pelo menos maior que os 1.000 m da praxe, que já fazia de vez em quando. Mentira! Já havia feito 2.500 m antes, mas nunca de seguida. E olhem que há muita diferença! Até porque estou a falar de nadar na piscina, onde não temos a flutuabilidade do fato isotérmico nem da água salgada do mar. Neste meio do desporto conheço algumas pessoas que nadam e outras ainda que nadam muito. Fico abismado quando vejo alguns dos seus treinos de 3 km ou mais. Obviamente, tal como um puto que olha para um super herói, também anseio um dia conseguir fazê-los. Porque aspiro outros vôos, outros desafios. Aqui há uns dias alguém colocou no meu perfil do Facebook que "José" é nome de quem não gosta de ficar parado. Ora nem mais! E como tal, para já fico satisfeito com este marco dos 2,5 km a nadar sem parar. Talvez em breve escreva um post com o título "3 km a nadar sem parar". Mas também anseio por outras metas intermédias para o final do mês de Maio. Seja o que for, que seja feito sempre com um sorriso no rosto, hoje com um gostinho especial. Veio para durar!

Sab | 04.05.13

Diz-me com quem corres, dir-te-ei quem és!

José Guimarães
  A ideia para este post começou quando a Susana me pediu para escrever sobre um grupo de corrida com quem ia treinar nessa noite. Apesar de eu já não ter ido a tempo de o publicar, a ideia deixou-me com a “pulga atrás da orelha”. Depois de umas pesquisas na net sobre grupos de corrida e depois de tropeçar algures no Goethe como fonte de inspiração, decidi escrever uma coisa à volta da sua célebre citação:
Diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és. Saiba eu com que te ocupas e saberei também no que te poderás tornar.
A teoria por detrás desta expressão diz-nos que é possível conhecermos as qualidades de uma pessoa, através das características gerais do grupo com quem ela se relaciona diretamente. Dito de outra forma, é como se absorvêssemos as características do grupo onde nos sentimos integrados. O grupo onde - de facto - nos sentimos naturalmente bem. E se essa integração ocorre (e se mantém) de forma natural e espontânea (e não de forma forçada), iremos perceber que às tantas nos tornámos naquilo que tanto bebemos e respiramos, que tanto gostamos. É isto o espírito do grupo! Parecem coisas do tempo da escola, mas a verdade é que é assim que normalmente (e inconscientemente) funcionamos. E isto é válido tanto para a vida do dia-a-dia, como para, neste caso, as corridas.

Porquê um grupo de corrida?

Encontrar um bom grupo para treinar pode ajudar-nos a atingir os objetivos estabelecidos, sejam eles quais forem:
  • Começar a correr
  • Correr mais rápido
  • Manter a boa forma
  • Divertirmo-nos
  Os grupos de corrida são uma excelente forma de convívio social, numa atmosfera capaz de dar suporte aos nossos objetivos de corrida. Os muitos grupos de corrida existentes atualmente oferecem uma variedade tão grande de programas para todos os gostos, que o difícil é arranjar uma desculpa válida para não correr. Com atividades para iniciados ou corredores experientes, grupos regulares de treino, programas de treino para acumular quilómetros (bons para as ultra-maratonas), equipas para participar em provas, eventos locais e muito mais, se pesquisarem na internet por "grupos de corrida" vão com certeza encontrar um grupo que vai ao encontro das vossas necessidades. Eu já encontrei o meu grupo. E apesar de gostar de participar em eventos aqui e ali (noutros grupos), tenho a certeza que tão cedo não me irei desligar desta segunda família. E seja em que desporto for, sugiro que encontrem também o vosso. É um "doping" saudável para os bons e para os maus momentos. E aprende-se muito!
Em toda a parte, só se aprende com quem se gosta - Goethe