Hoje, em conversa com um amigo que trabalha na indústria farmacêutica, enquanto lhe dizia do fundo do meu entendimento que diariamente tomava proteína em quantidade suficiente (algo como 150gr de proteína por dia), ele responde-me: "Só?!?!". "Só?" - interroguei eu - "Como só?" Perante a minha incredulidade, recorri ao cálculo do Diário Alimentar do site Fat Secret (se gostam de saber o que comem e ainda não sabem, não percam esta ferramenta) e verifiquei (e confirmei) que a minha ingestão diária de proteína ronda mesmo as tais 150gr/dia, isto incluindo os batidos de proteína, ovos mexidos ao pequeno almoço, refeições ao longo do dia, tudo. Pensava eu que era mais que suficiente, ou que até seria uma quantidade relativamente acima do normal, pelo menos até conversar com um entendido na matéria, que me disse que não era assim. Claro que, depois disto, andei à caça de informação que pudesse confirmar se esta quantidade era insuficiente e, caso fosse, qual a quantidade diária de proteína que eu deveria tomar.
Para que serve a proteína?
A proteína é a matéria prima do corpo humano. É usada pelo corpo para construir músculos, tendões, órgãos e pele. Também é usada para fazer hormonas, neurotransmissores, enzimas e outras moléculas. Por outras palavras, sem proteína, a vida como a conhecemos não existia. Os músculos são feitos basicamente de proteína e, tal como a maior parte dos tecidos do nosso corpo, eles são dinâmicos, ou seja, estão constantemente a ser partidos e a reconstruir-se. Para reconstruir essa massa muscular, o corpo precisa de um balanço positivo de proteína. Por esta razão é que as pessoas que querem desenvolver músculo precisam de consumir mais proteína do que as que são sedentárias, ou as que não treinam de todo. Também será necessário ingerir mais proteína quando queremos queimar gordura, por forma a reter a massa muscular, já que o tecido muscular vai ser usado (e partido) para gerar energia. Por isso é que, se a quantidade de energia que a nossa dieta produz não for tido em conta, o corpo irá usar a proteína já existente na massa muscular para obter as suas necessidades energéticas, causando a perda de músculo a médio e longo prazo. Atenção que isto já me aconteceu. E não é bom...
Afinal, qual a quantidade de proteína que se deve ingerir?
A quantidade de proteína que devemos consumir está ligada às nossas necessidades e ao nosso peso corporal. Há quem defenda que a DDR (Dose Diária Recomendada) mínima ronda cerca de 0,8gr de proteína por cada kg de peso. Mas também há quem diga que essa quantidade é insignificante e que, quem pratica desporto, deveria consumir cerca de 2gr por cada kg de peso. Tendo em conta este último valor, feitas as contas, pesando eu 76kg, deveria estar portanto a consumir 152gr de proteína por dia... e quase sempre estou. No entanto, parece que não há um consenso, nem há um valor universal ideal e a recomendação das 2gr/dia não é uma regra de ouro. Foram feitos vários estudos para tentar determinar qual a quantidade ideal de proteína para ganhar massa muscular e vários deles chegaram a conclusões diferentes. Alguns estudos mostram que uma ingestão superior a 1,8gr/kg é um desperdício, enquanto outros sugerem que é necessário uma ingestão ligeiramente maior que 2,2gr/kg para sustentar a hipertrofia (isto é, o desenvolvimento de massa muscular). O melhor será portanto usar o bom senso, começar com uma quantidade menor e ir aumentando de acordo com os resultados obtidos. Tenham em conta a atividade diária, bem como o regime e intensidade de treinos que praticam. E para os que pensam que ingerir proteína é só fazer batidos, desenganem-se. A ingestão de proteína deve ser feita de forma regular e constante ao longo do dia, de refeição para refeição. Os batidos Whey são bons essencialmente para situações de pós-treino, para gerar um aporte proteico rápido aos músculos. Em todas as outras situações, o melhor mesmo é apostar em alimentos ditos normais, para que o corpo os possa processar lentamente nos intervalos das refeições. Aqui fica uma lista de alimentos ricos em proteína: Salmão, pescada, camarão, atum natural, anchovas, tofu, soja, ovos, leite, leite de soja, proteína de soja, queijos, frango, peito de peru, carne vermelha, ervilhas, feijão preto, feijão frade, amaranto, pasta de amendoim, pistachio, espinafre, amêndoas, espargos, caju, aveia, grão de bico, trigo, ervilhas, quinoa, milho, chia, couve, brócolos, batata doce, coco, abacate, banana, maracujá, mirtilo, cerejas, framboesas, passas, uvas, tangerina, damasco, entre outros. Têm experiência com consumo de proteína? Deixem aqui os vossos comentários.
A sensação de quebra de energia que já pude experimentar durante algumas corridas mais longas podia simplesmente não ter acontecido se tivesse levado mais (ou melhores) barras energéticas. Por alguma razão, na última corrida (Trilhos dos Abutres) isso não aconteceu. Só tinha umas barras de cereais do LIDL, claramente ineficazes. Já vos disse que congelaram acima dos 900m de altitude? Felizmente, os abastecimentos estavam bem espaçados e guarnecidos, senão o caso poderia ter sido complicado, já que as condições da prova eram tudo menos amigas dos atletas. Um terreno difícil e temperaturas muito baixas levaram a um dispêndio de energia superior ao normal. Por essa razão, optei por ir mais (e melhor) abastecido para a próxima prova longa: o Ultra Trail do Piódão, dia 28 Março. Para tal, andei a rever mentalmente quais as barras energéticas que nestes últimos tempos mais gostei e mais fizeram sentido. Umas dessas barras foram uns fabulosos “flapjacks” de aveia, que encontrei numa loja de suplementos entretanto já extinta. Também andei a fazer um esforço por me lembrar das barras que não gostei, para não as colocar no carrinho de compras. Normalmente são as mais doces e mais artificiais, algumas pastosas e difíceis de engolir enquanto se corre. Ao contrário do que seria normal pensar, o gel energético não me tem ajudado nas provas mais longas. Nas curtas sim, como, por exemplo, nas meias maratonas ou nos triatlos. É que nas distâncias percorridas numa hora ou pouco mais (rápidas e mais explosivas), o corpo só gasta praticamente açúcar como forma de energia. Este pode ser facilmente fornecido através de gel energético (cuja composição é praticamente só açúcar), o qual, graças ao seu estado mais líquido é rapidamente absorvido pelo organismo. Mas nas provas cuja duração seja superior a 3 ou 4 horas (relembro que terminei os Abutres em 8 horas), o corpo necessita mais do que somente açúcar para se manter na corrida. A partir de determinado momento, o corpo “fecha-se” às coisas doces e necessita de alimentos “normais”, com sal, gordura e afins. Sabiam que a gordura também é uma fonte de energia essencial nas provas mais longas? E já repararam que algumas provas longas têm tomate ou sal disponível nos postos de abastecimento? Daí umas das minhas barras favoritas serem os tais “flapjacks” que referi há pouco. Na sua tabela nutricional, dos valores mais relevantes por cada 100gr, constam mais de 50gr de carbohidratos, com somente 17gr de açúcar, mais de 20gr de proteína, sódio, gordura... um bom “cocktail”, sem dúvida. Mas onde os encontrar? Para grande surpresa minha, encontrei a variedade mais simples destas barras (só com aveia) e outras variantes (com cobertura de chocolate, iogurte, etc.) à venda na Prozis. E encontrei não só “flapjacks”, como outras barras energéticas bem conhecidas noutros países, como as “Banana Bread” ou as famosas “Oat Snack". Deu algum trabalho para fazer a encomenda, porque queria experimentar a maior variedade possível de barras energéticas. Optei por encomendar 2 ou 3 de cada e assim tive com que me entreter na semana que passei a fazer ski e certamente nos próximos treinos mais longos. Depois disto vou escolher as mais eficazes, ou seja, as que não me causem distúrbios gástricos, que sejam o mais leves e pequenas possíveis e contenham as tabelas nutricionais mais atractivas para as desejadas "ultras". Nota importante: faço estas experiências durante os treinos, porque nunca se deve experimentar nutrição nova durante uma prova. Imaginem que a dita barra ou gel vos dá a volta à barriga durante uma corrida? Não deve ser nada agradável, principalmente quando ainda se tem pela frente muitas horas ou quilómetros para correr. Têm opções diferentes para as provas longas? Deixem as vossas sugestões aqui nos comentários.
Há já algum tempo que não ficava assim. Mentira. No final do ano passado tive uma crise de garganta inflamada e uma tosse que nunca mais acabava, causadas por correr durante o frio extremo que se fez sentir. Ora correr com tempo muito frio requer alguma cautela. Acima de tudo que tenhamos cuidado para prevenir recaídas... que foi exatamente o que me aconteceu.
Correr com tempo frio
A última prova em que participei foi os Trilhos dos Abutres. Apanhámos frio, muito frio mesmo. Já vos contei da barra de cereais que congelou lá pelos 900m de altitude? Pois leiam o post e fiquem a saber um pouco mais. Como consequência de correr (e respirar profundamente pela boca) nesse tempo tão frio, cheguei ao fim da prova com uns ataques de tosse que mal controlava. Mas a coisa lá se acalmou, depois de uma bifana "abútrica" e de um café retemperador. Durante a semana que se seguiu, fez mais frio e voltei a correr, tanto de dia como também à noite e - confesso - que nem sempre devidamente agasalhado. O resto da história já vocês devem estar a adivinhar: garganta muito inflamada, depois febre, princípio de uma gripe, constipação... Correr com tempo frio pode reduzir as funções do sistema imunitário do nosso corpo, o que nos torna mais susceptíveis a contrair alguma doença. E quando deveria era estar a correr e a trabalhar no ginásio, com vista aos próximos objetivos, infelizmente não está a ser possível. Bom, primeiro há que tratar do mal, certo?
O que fazer para evitar os problemas de correr com tempo frio?
Ao contrário do que se possa pensar, o ar frio é extremamente seco (sim, mais do que no verão), deixando-nos muitas vezes com a sensação de garganta seca e inflamada de manhã. Respirar através da boca pode ser perigoso, principalmente durante o inverno. O ar que é inspirado através da boca não é filtrado, nem aquecido ou humidificado, o que acontece quando é inspirado através do nariz. Este ar mais seco faz com que os tecidos mais sensíveis do corpo sequem muito rapidamente. Quando os tecidos macios e delicados das nossas vias respiratórias estão secos, ficam facilmente irritados e podem inchar ligeiramente, dificultando o ato de respirar. Correr com apetrechos como uma máscara de ski (muito útil para o ski e neve), além de parecer um bocado suspeito, pode causar outros problemas. As máscaras podem bloquear a visão periférica, o que pode ser perigoso. As máscaras de ski também cobrem o topo da cabeça, o que pode causar sobreaquecimento durante as corridas mais longas (sabiam que é pela cabeça que o corpo humano mais emite/perde calor?). Assim, sugiro que usem um buff, ou bandana, ou algum outro tipo de lenço que cubra as orelhas do frio, mas deixe o topo da cabeça livre para transpirar. Usem ainda outro (sim, mais um) à volta do pescoço, boca e - se necessário - do nariz. Isto vai ajudar a reter o calor corporal daquela zona e adicionar alguma humidade ao ar que se inspira. Já sabem, corram sempre em segurança e, de preferência, quentes!
Diz a tradição que ao domingo se almoça com a família e, se possível, à volta de um bom cozido à portuguesa. Recordo-me com saudade dos panelões de enchidos, carnes e couves, que a minha mãe tão habilidosamente cozinhava, dedicando-lhes o tempo que era devido, sem pressas, para rapidamente tudo desaparecer nas bocas mais famintas. Já há muitos anos que não almoçava cozido à portuguesa. Por isso, hoje, aproveitando o bonito dia de sol e a maldita tosse que trouxe das baixas temperaturas do fim de semana passado e que ainda não me deixa correr sem desatar a tossir desalmadamente, fomos até à Marina de Oeiras almoçar ao restaurante RIO's, que aos domingos serve cozido à portuguesa estilo buffet... para comer até não se aguentar mais. Parece que há uma espécie de preconceito para com o cozido à portuguesa. Diz-se que faz mal à saúde, que se deve evitar, etc. Corrijam-me se estiver enganado mas, o cozido por si só, não me parece uma coisa que faça mal à saúde. O que têm de mal carnes, legumes e arroz cozidos em água? Claro está que, "para dar sabor", juntem-se-lhes uns chouriços, umas farinheiras, morcelas e pronto, temos um prato repleto de paladares fortes à boa moda portuguesa, com as devidas gordurinhas a acompanhar. E se a presença destes ingredientes no nosso prato podem - estes sim - fazer mal, o mal maior estará no exagero. Como em tudo na vida. Aqui no RIO's esse problema está resolvido. Como no buffet podemos escolher o que queremos comer, evitamos desta forma os tais ingredientes "perigosos." A apresentação do buffet fez-me viajar no tempo. Levou-me de volta aos tempos de infância, quando no Alentejo a comida era confecionada naqueles velhos e escuros panelões de ferro da minha avó, que ficavam a cozinhar nas brasas da lareira. Separados por forma a podermos escolher o que quiséssemos, os diferentes ingredientes do cozido de hoje foram servidos nesses mesmos panelões de ferro. Só assim seria possível chegarmos a algum acordo. A caminho do restaurante, a conversa no carro era, de um lado, que o cozido à portuguesa só era bom com enchidos. De outros, que mesmo sem os "ditos", um cozido poderia ser muito saboroso. Só assim foi possível que uns tivessem enchido o bandulho de enchidos e couratos e, outros, mais comedidos, se tivessem dedicado simplesmente a vegetais, ao arroz (que delícia de arroz!!!) e às carnes brancas. Vêem? Um cozido à portuguesa também pode ser saudável. O que dizer mais de um bom cozido à portuguesa? Se a quantidade era mais que suficiente para alimentar as bocas mais famintas, a cozinha tradicional - com um toque de "modernice" - do chefe António Bóia aí está, bem capaz de satisfazer os paladares mais exigentes. A juntar a isto um serviço que prima pela extrema simpatia e total atenção aos mais pequenos detalhes, este almoço domingueiro foi uma agradável surpresa e, já que este foi um dia sem correrias, deixou-nos pelo menos no ponto para uma boa caminhada no passeio marítimo de Oeiras. No meio de isto tudo, não pequei? Claro que sim! A sobremesa, mousse de chocolate, incluída no menu e servida em quantidade capaz de me fazer dizer "chega!", estava tão boa que parecia ter sido feita na hora só para nós, leve e saborosa, sem um único toque de frigorífico. Recomendada a gulosos saudáveis ;) O restaurante RIO's serve os menus de cozido à portuguesa aos domingos, pelo preço de 18 euros / pessoa, com entradas e acesso ao buffet (ou 25 euros se incluir bebidas com vinho branco ou tinto e sobremesa). A morada é fácil: fica mesmo no Complexo Turístico da Piscina Oceânica de Oeiras, São Julião Barra. O telefone para reservas (é melhor reservarem) é o 214 411 324. Nota final: parece que durante a semana têm um sushi fabuloso! Há que experimentar...
Já vi tanta coisa escrita sobre os Trilhos dos Abutres... sobre a lama, as escorregadelas e sei lá mais o quê, que não posso mesmo deixar de escrever este post. O mesmo segue em jeito de review feita à pressa, por forma a dar a entender a tanta boa gente que gosta de correr, algo que pode fazer toda a diferença entre nos divertirmos praticar trail running ou praticar um misto de corrida com patinagem mais ou menos artística: os sapatos de corrida. Estava indeciso sobre que sapatos levar para a Serra da Lousã. Já sabia que ia encontrar água, por isso estive vai não vai para levar os mesmos sapatos com que fiz os 50 km do Albufeira Night Trail: os novos Reebok H2O Drain, aqueles recém lançados sapatos de todo-o-terreno da Reebok, que têm um sistema fabuloso de escoamento de água. Os tais que andei a brincar (e a filmar) em Monsanto. Vejam o vídeo aqui. No entanto, as algumas falhas que notei na aderência em piso molhado ditaram que a minha escolha fosse, no fim de contas, a mais acertada que podia ter feito. Levei os belíssimos Salomon S-Lab Sense 3 Soft Ground. E como pude comprovar, "soft ground" é o terreno de eleição destes sapatos. Mas já lá irei. A Salomon conseguiu nestes sapatos juntar o melhor de dois modelos: o corpo dos Sense Ultra e a muito inspirada e popular sola dos Speedcross, resultando num sapato realmente capaz de enfrentar qualquer tipo de terreno.
Por fora
O que dizer dos Salomon Sense 3 Ultra Soft Ground? Basta olhar para eles. Umas linhas lindas e elegantes, um design soberbo, uma capacidade de adaptação ao pé que quase dispensa atacadores. Estes são os únicos sapatos de trail com que até hoje consegui correr sem palmilhas (e sem problemas) durante cerca de 20 kms. Se bem que, verdade seja dita, não se pode chegar a chamar palmilhas ao pedaço de tecido no interior destes sapatos. Mas o que é certo é que quem gosta de correr com este tipo de sapatos, sabe fazê-lo mesmo "ao natural". A "língua" tem a dimensão e posicionamento perfeitos, protegendo bem o pé dos soberbos e ultra eficientes atacadores de kevlar. A bolsa para esconder os atacadores lá existe e dá muito jeito. O único problema é que, quando os atacadores estão totalmente apertados, a dita bolsa fica debaixo dos atacadores, não sendo possível escondê-los no seu interior sem se travar antes uma luta titânica. E o que dizer do sistema Quicklace da Salomon? Não interessa quão convencionais somos, mas este sistema é simplesmente das melhores coisas que já usei em sapatos de corrida, apertando o pé uniformemente como uma luva feita por medida. Nunca senti qualquer necessidade de voltar a apertar os atacadores durante a corrida. Pelo contrário. À medida que os quilómetros passavam e os pés inchavam, bastou aliviar um pouco o Quicklace para ficar aliviado. O tratamento os sapatos a que foram sujeitos neste Trilhos dos Abutres, em tudo levariam a crer que saíssem da prova completamente destruídos. Mas não. Os materiais usados pela Salomon na construção deste sapato resistiram a todo o tipo de tratamento, como pontapés em rochas, ramos de árvores, lama, muita lama... e saíram sem um único arranhão, como novos... ok, só depois da lavagem em casa (as fotos que acompanham este post foram tiradas depois dos Trilhos dos Abutres, depois de ter lavado os sapatos em casa, e não quando os tirei novos da caixa).
A sola
A Salomon usa a sua sola Mud and Snow Contagrip nestes Sense 3 Softgound e o resultado não podia ser melhor. Não só esta sola permite dar um pouco mais de amortecimento ao sapato, como a tração se torna muito mais versátil. E Softground é mesmo o meio natural deste sapato, como pude experimentar ao longo dos 50 kms de terra e lama na Serra da Lousã. Ao contrário do que via acontecer com a maior parte dos sapatos dos outros atletas, cujas solas escorregavam no chão e escavavam autênticos buracos na lama, sem que isso se traduzisse em tração que os permitisse correr para a frente, estes meus Salomon agarravam-se ao chão com todos os seus "pitons" e, desde que tivesse a atenção de cravar bem o meio do pé no chão e não o calcanhar, podia estar descansado e esperar a melhor das trações, que me permitiam empurrar o corpo para a frente, tanto em reta, como em subidas mais íngremes. Contei as vezes que escorreguei com estes sapatos nos Trilhos dos Abutres e foram 3... sim, somente 3. Uma delas foi numa rocha.
Impressão final
Se, por um lado, a durabilidade que o sapato em geral comprovou ter me faz pensar nele para o poder usar em mais provas durante o ano, é certo que nem todas elas serão merecedoras das suas características tão especiais. Quando penso num sapato para trail running, penso muitas vezes nas suas características específicas e nas características do terreno em que os irei pôr à prova. Pela sensação de conforto e controle que os Salomon Sense 3 Ultra Softground oferecem, diria quase que foram desenhados de propósito para estes tipos de terreno escorregadios e lamacentos. Mas mesmo assim, não deixem de os usar em pisos mais incertos e rochosos, já que o conforto que me permitiu usá-los confortavelmente durante 50 kms nestas condições, vai também permitir que os usem noutros tipo de terrenos. Apesar de acreditar que o seu criador possa ser natural da Serra da Lousã (!!!) e os ter criado para aí serem utilizados, vou-lhes dar mais uso agora noutros tipos de piso... venha daí o Ultra Trail do Piódão.
Comentários?
Se estão a ler isto e têm estes sapatos (e muitos eram os participantes nos Trilhos dos Abutres que os tinham calçados) ou se pelo menos já os experimentaram, qual é a vossa opinião sobre os mesmos?
Se há provas de corrida com uma mística muito própria (e claro que as há), os Trilhos dos Abutres são sem dúvida uma delas. No que a mim me toca, foi a primeira prova longa de trail running em que participei. Na altura (se não me falha a memória foi em 2012) corriam-se 45 km. Atualmente, a fasquia subiu para 50 km. Mas as características que a diferenciam de todas as outras provas em que já participei mantêm-se. Este ano, lá nos aguardavam a belíssima Serra da Lousã, os seus trilhos tão característicos, os seus "sobes" agressivos e os seus "desces" rápidos e divertidíssimos. E também lá estavam a água, a lama e o frio, este ano todas elas elevadas à 10ª potência, comparativamente ao que costuma ser habitual. Mas já lá irei. Normalmente não costumo stressar muito com o mau tempo nas provas. Mas confesso que a chuvada que já apanhara no dia anterior, durante a viagem de carro até Miranda do Corvo, não me estava a deixar muito confortável. O próprio atraso que o temporal havia provocado na minha chegada à tertúlia na Loja do Sr. Falcão, parecia não agoirar coisa boa. Depois de me ter deitado a chover e depois de acordar às 6 da manhã, espreitar para a rua e ter visto que continuava a chover, confesso que receber um SMS da organização a informar que a partida tinha sido adiada para as 10 horas, me tranquilizou um pouco. Simplesmente não me estava a apetecer nada apanhar uma valente molha no meio da serra. Já tinha a experiência das edições anteriores dos Abutres, portanto já sabia que lama iria haver e em quantidade. Então com chuva, não queria nem imaginar. E não poderia nunca imaginar o que estava à nossa espera. A chegada ao pavilhão municipal na manhã do dia 31 anunciava uma grande festa. Não me recordo de ver tanta gente assim nas outras edições dos Trilhos dos Abutres. O recinto era pouco para as multidões que já formavam enormes filas para se aceder aos locais do controlo zero, a fim de verificar o material obrigatório para a prova. Mochila, manta térmica, telemóvel e frontal verificados (sim, frontal, pois com o adiamento da partida previa-se que, para para a grande maioria dos participantes, a prova só terminasse de noite), acedemos à zona de concentração para a partida, no recinto no exterior do pavilhão. Aqui e já perto da hora de partida, já nem a chuva nem o frio se faziam sentir como antes. Estava sol. Afinal, parecia que a decisão da organização de adiar a partida 2 horas tinha sido acertada. Pelo menos não iríamos começar a correr debaixo de chuva. Dada a partida e aproveitando as boas condições de tempo, sendo os primeiros quilómetros de corrida feitos pelas ruas de Miranda do Corvo, tentei puxar um pouco pelas pernas, para aquecer e para chegar o mais possível à frente da corrida. Desta forma, assim que chegássemos aos primeiros trilhos mais técnicos, teria menos gente pela frente e poderia ir mais tranquilo e com atenção redobrada aos sítios onde punha os pés. Tivemos a primeira sensação do tipo "isto vai ser um desafio tremendo" quando, ainda em Miranda do Corvo, passámos pela ponte por cima do parque desportivo e vimos com espanto (e algum toque de humor negro) que só os topos das balizas do campo de futebol apareciam por cima da água. Parque desportivo e arredores, tudo estava submerso. E logo após passarmos pelo Parque Biológico de Miranda do Corvo, mal começámos a atacar a primeira subida, sentimos logo como estava praticamente toda a serra. Quer fosse a subir ou a descer, água e mais água escorria ao longo dos trilhos. Os riachos que, noutras ocasiões estariam até convidativos a refrescar os pés sem qualquer problema, transformavam-se agora em autênticos rápidos de água turva, chegando ao ponto de formar cascatas tão barulhentas, que mais pareciam autênticas barragens em descarga máxima. Com isto tudo, nos locais mais baixos, onde a água se concentrava em maior quantidade, toda a lama e sedimentos encontravam-se e estagnavam, formando autênticos pântanos lamacentos. Este expoente máximo esperava por nós principalmente no último troço do percurso, onde facilmente eu me enterrava em lama até à cintura... eu, que tenho 1,90 m de altura. Mas as principais dificuldades sentidas ao longo da prova não se resumiram à água e consequentes lamaçais. Quanto a isto, se vamos para uma prova de corrida no meio de trilhos, ainda para mais na Serra da Lousã, temos que ter noção da realidade em que nos vamos meter. Temos que nos mentalizar que não vamos para uma caminhada, que vamos ter que molhar os pés para atravessar cursos de água, que vamos ter de correr em terrenos lamacentos e que se torna importantíssimo levar equipamento adequado para tal. Claro está que, existiram alguns troços que pensei que talvez estivesse no meio de algum treino militar. Mas não. Os trilhos da Lousã são assim mesmo. Naquele dia só estavam "um pouco" piores que o habitual. Tirando o fator "água + terra = lama", ainda havia que enfrentar um inimigo implacável: o frio! A altitude máxima medida no meu Suunto foi de 922 metros. Ora, estávamos em Janeiro e, na Serra da Lousã, ainda por cima com mau tempo, é perfeitamente natural que as temperaturas desçam consideravelmente, principalmente acima dos 600/700 m de altitude. Foi mesmo isso que aconteceu. Por duas vezes choveu granizo enquanto corríamos. A primeira foi de tal maneira agressiva, que me lembro das pedras de gelo me magoarem as orelhas, tal era a força com que caíam. E ainda íamos a subir, pelo que se previa que as condições climatéricas piorassem. Foi aqui que decidi vestir o meu casaco. Nunca mais o tirei. Mesmo assim ainda via alguns atletas a correr sem casaco. Vi ainda outros de tshirt. Sim, de tshirt! Potencialmente desafiavam a sorte. Potencialmente ficaram retidos num posto de controle, embrulhados na manta de sobrevivência com algum princípio de hipotermia, como sei que muitos ficaram. Foi a edição desta prova onde isso mais aconteceu. Pergunto-me se por culpa do frio, ou do baixo nível de precaução de quem o frio enfrentava. [caption id="attachment_5502" align="alignleft" width="300"] Eu (foto: Paula Fonseca)[/caption] Quanto a mim, fui sempre bem equipado. Ou pelo menos de forma adequada às condições que enfrentei. Mesmo assim cometi alguns erros. As mãos congelaram-me. As luvas que usei não foram suficientes (tanto me lembrei das "Vileda" do UTMB, que tinha deixado em Lisboa). Depois de uma queda sem gravidade me ter deixado grande parte do equipamento molhado, andei quilómetros a aquecer as pontas dos dedos na boca e a cuspir lama. Ainda tentei secar as luvas numa fogueira acesa pela organização, mas não só não consegui secar nada, como já me estava era a intoxicar com o fumo. As minhas meias romperam-se com tanta lama que se acumulou dentro dos sapatos. Uma das palmilhas ficou inutilizada. Mas foi o pior que me aconteceu. Penso que esta foi a edição dos Trilhos dos Abutres com o maior número de atletas que não chegaram ao fim. Cerca de metade, creio eu. Soube das polémicas por causa da organização ter barrado os atletas que chegavam aos postos de controle pouco fora do tempo limite. Também soube de algumas desistências, muitas delas porque a prova estava a ter um nível de exigência demasiado elevado. Penso que muitos destes atletas não estariam fisicamente preparados, ou mentalmente, ou nem mesmo devidamente equipados. Soube de pessoas que corriam com ténis de estrada, o que nem devia ter sido permitido logo de início. Sei comprovadamente que a organização desta prova deu o seu melhor e tudo fez para que ninguém tivesse a sua integridade física posta em causa. No final de contas, penso que este objetivo foi conseguido. No final de contas, penso que temos de fazer aquilo que mais gostamos, mas de forma equilibrada. Devemos praticar mais atividades como esta, que nos obriguem a sair fora da caixa, para lá da nossa zona de conforto, a desafiar os nossos limites, mas de forma que nos faça sentido e que não nos coloque em perigo. Correr é por si um ato que considero natural no Ser humano. Correr no meio da natureza, como é nos Trilhos dos Abutres, coloca esse mesmo Ser humano em contacto com o meio natural envolvente, que não só tem de saber conservar, como respeitar. E respeitá-lo é também respeitar-se a si próprio, coexistindo e inserindo-se no meio de forma pacífica, não colocando em perigo nem o primeiro, nem a sua própria existência. Mais uma vez, penso que este é um local por excelência para todos aprendermos a fazê-lo. Até para o ano, com certeza! Foto destaque: Rosa Farola