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Ex-Sedentário - José Guimarães

A motivação também se treina!

Sab | 31.10.20

Lidl Setúbal Triathlon: o início e o fim da época de 2020

José Guimarães

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Foto: RUN 4 FFWPU

Comecei a época de triatlo no fim de semana passado e entretanto a época já acabou. Com o cancelamento do Ironman Cascais 2020, o Lidl Setúbal Triathlon foi (para mim) a primeira e a última prova deste conturbado e tão atípico ano de 2020. Sim, foi a única prova de 2020. Resultado? Uma prova fantástica, bem disputada e onde pude comprovar que estive a treinar bem... um pouco menos do que o pretendido, mas bem.

A preparação para o Ironman

Depois de me ter inscrito no final de 2019 naquele que seria o primeiro Ironman (da marca, e full distance) no nosso país, comecei a treinar logo no início do ano. Aceitando o desafio do Sérgio Santos da  Ontrisports e a companhia de sempre da malta do Oriental Triatlo, o meu plano de treinos começou logo em Janeiro, tendo como primeiro objetivo a Montepio Meia Maratona de Cascais, onde - POWWW!!! - fiz o meu melhor tempo de sempre nesta distância: 1h30 bem geridas ;)

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A aposta na orientação do Sérgio ficou mais do que comprovada logo desde o início, não só pela ajuda no planeamento, como pelas tecnologias a que tive acesso. Vejam a este propósito o meu artigo "A importância de uma boa técnica de passada".

Depois disto veio a Covid-19, o confinamento, as restrições, o treino limitado. Mais limitado fora de casa e no ginásio, totalmente limitado no acesso à piscina, mas menos limitado em casa, onde me vinguei como nunca na bicicleta em cima dos rolos. Desde então e até hoje pude contabilizar no meu Strava que em 2020 corri qualquer coisa como 1.010 km, pedalei 3.073 km e nadei (vá) 47 km. Nem tudo foi mau afinal.

Passados todos estes meses, o resultado foi ter sido capaz de fazer um half Ironman relativamente de forma relativamente tranquila. E já vou contar como foi.

A natação do demo

Sim, o meu maior receio recaía sobre esta disciplina: a natação. Não só é o meu elo mais fraco, como também, antes da prova, as últimas vezes que nadei foram... ora deixa cá ver no Strava... dia 17/09 (2.769 m), dias 07 e 09/08 (em que nadei uns 200 m numa barragem no Alentejo, para descansar de uma volta de BTT), dia 14/07 (2.324 m)... sempre em águas abertas. E estão a perceber o que estou a querer dizer, certo? Que não nadei nada do que devia ter nadado.

Ora depois desta preparação, podem imaginar que, naquela manhã de dia 25/09 no Parque Urbano de Albarquel, com vento sudoeste forte, foi com algum alívio que ouvi o speaker dizer que a distância da natação iria ser reduzida para 1.000 m apenas.

Com a minha confiança a recair na preparação física geral, lancei-me à água mais ou menos no turno do meio e... e foi com alguma surpresa que passei um atleta, passei outro, e fui andando... nadando. E assim, com um estilo calmo, forte mas focado, nadei contra o vento, contra a corrente e contra a ondulação, mas com um à-vontade maior do que alguma vez estava à espera.

Ora de onde é que isto veio? Afinal de contas, onde é que me vinguei pela falta de uma piscina para nadar regularmente? Nos treinos com elásticos, nos muitos treinos de estabilidade em seco, por aí. O resultado foram 21 minutos para percorrer os cerca de 1.000 m do segmento de natação, ainda para mais saindo da água sem aquelas habituais tonturas, direitinho à bicicleta, agora sim, cheio de confiança e com um sorriso no rosto!

Ciclismo na Arrábida, com chuva e vento

Obrigado ao meu amigo que me emprestou a sua bicicleta de contra-relógio. Antes de mais agradecer, porque sem aquela bicicleta a coisa teria sido um pouco mais dificultada. E porquê? Não é que se sentisse ainda muito a "porrada" do mau tempo. Afinal de contas, saindo do parque de transição (T1), os 13 km iniciais decorrem ao longo de uma Av. Luísa Todi abrigada do vento e ao longo da parte inicial da reta em direção à Mitrena, regressando logo em direção à Serra da Arrábida, essa sim a grande dificuldade para muitos ciclistas.

Na serra estou mais na minha praia. Gosto de subir, gosto da sensação do pedalar calmo e forte, focando-me em cada passada na posição do corpo, das pernas e dos pés, para tirar o melhor partido possível da força aplicada ao chão, controlando a respiração e os batimentos do coração que - acreditem - aqui parece que nos vai sair da boca juntamente com os pulmões. E aqui, também abrigados do vento, sabia bem o fresco e a alguma chuva que caía. O pior seria na descida de regresso à cidade, que agora com chuva mais forte se tornava um autêntico perigo para as duas rodas, principalmente para os "Fitipaldis" que tanto arriscavam... uffff, medo!!! Não é para mim. A opção foi sempre descer não nos extensores, mas agarrado às pegas laterais do guiador, sempre com atenção ao travão (mais o de trás que o da frente) para ir controlando a velocidade.

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Depois da primeira subida à serra, aqui sim, veio o prazer de pedalar na bicicleta de contra-relógio. Foi aplicar à prática aquilo que treinei em casa, nos rolos. A posição relaxada mas controlada do corpo, braços apoiados nos extensores, o tronco ligeiramente adiantado e a pedalada feita para trás, com todo o foco nos músculos posteriores das pernas... E se a favor do vento a coisa fluía que nem ginjas, já contra o vento a conversa era outra!!! Mas mais uma vez o treino compensou. E materializou-se num ritmo melhor do que o meu normal, com uma cadência sempre certa, batimentos cardíacos controlados e não muito altos, sempre mas sempre totalmente encaixado na aerodinâmica da bicicleta, para "cortar" o melhor possível o vento que agora soprava de frente. Chegou uma altura em que o vento era tanto que, como estava só, aproveitei o tracejado do meio da faixa de rodagem para pedalar em cima deste e assim me orientar por ele, mantendo a cabeça baixa e encaixada em cima das mãos e sempre a olhar para baixo pelo meio dos braços, em vez de olhar para a frente. E assim conseguia "rolar" a cerca de 30 km/h, mantendo a potência nuns confortáveis 200 e poucos Watts. Não muito, para não estragar a festa que viria a seguir ao ciclismo.

Feita a segunda subida à serra e regressando à cidade, foi tempo de desmontar em beleza (obrigado ao Miguel Arraiolos pelas suas demos durante o curso de Técnico de Triatlo - Grau I) e de agarrar a corrida pelos pés. E foi aqui que a coisa começou a doer... literalmente!!!

Correr à chuva e sem meias... nunca mais!

Quando estou em competição utilizo sempre os meus sapatos da bicicleta com uma tira de velcro única, pois são muito simples e rápidos de calçar e de descalçar em andamento do que os sapatos de bicicleta normais, com várias tiras e o aperto BOA. Por isso mesmo, e para o processo ser mais rápido, gosto de pedalar sem meias. Porque o tecido das meias agarra-se ao velcro dos sapatos, e depois quero um movimento rápido e aquilo atrapalha tudo e acabo por perder mais tempo e atenção com o processo do que aquilo que deveria. Assim, sem meias, é mais eficaz. E, afinal de contas, desde que não esteja aquele frio do car.... não precisamos de meias para nada. Até porque a pedalar não sofremos nenhum impacto nos pés, portanto é limpinho.

O pior é quando acontece o que aconteceu, em que só na transição (T2) reparo que me esqueci das meias no saco da natação... ouchhh!!! "Vai doer", pensei eu. Claro que ia doer. Correr com pés molhados, meio sujos, dentro de umas sapatilhas molhadas... o resultado não podia ser bom. Estava com a cabeça numa transição rápida (e acho que fiz das transições mais rápidas que tenho memória) e foi no que deu.

Assim que saí da tenda do parque de transição, logo nos primeiros 100m comecei a sentir a zona interior dos pés a arranhar os sapatos. "Vai mesmo doer", pensei novamente! Certo e sabido... Ainda não tinha 5 km feitos e já sentia que ia ter um arranjinho para os próximos dias sem correr, a tratar de feridas. Aos 10 km já estava a pensar se faltava muito. E próximo do final, confesso que já pensava em ficar por ali. Já olhava de vez em quando para os sapatos para ver se tinham sangue, mas às vezes chovia tanto e havia tantas poças na estrada, que o que quer que houvesse, era logo lavado pela água.

De resto, não houve grande história nos 21 km do segmento de corrida. A estratégia era (e na prática assim foi) correr a um ritmo confortável, e o conforto manteve-se nos cerca de 4:30'/km, passando por meter um gel e um copo de Gold Drink a cada passagem na bancada do abastecimento (4 voltas de 5 km = 4 géis). E foi mais do que suficiente. Quanto ao ritmo, foi confortável o suficiente para, na última volta, esquecer as dores nos pés e "aceitar" a boleia da lebre Palmira Quinhama da WeRun (esta menina faz 1h20 na meia, tá?) a 4:15'/km até à reta da meta, onde me esperavam aqueles sorrisos do coração. Sem eles isto não seria a mesma coisa!

Aproveito um parágrafo ainda para dizer que, mal cortei a meta deram-me uma máscara, abracei a Palmira e o Paulo, recolhi a minha medalha e o kit de atleta, bebi um Fast Recovery da Gold Nutrition (de melancia, pois claro) e vim para a rua tirar os sapatos. Sim, afinal tinham sangue: a pele da parte interior dos pés foi da bolha à carne viva! Mas relax, o nosso corpo é uma máquina fabulosa. Já passou quase uma semana, as feridas já sararam e já posso começar a pensar em correr outra vez.

Para terminar, ironicamente (e ainda bem que assim foi), a minha primeira prova do ano foi organizada também por quem organizou a minha última prova do ano: a HMS Sports, pela batuta do Hugo Miguel Sousa. Parabéns a todos pelo bom trabalho, tanto num lado como no outro!