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Ex-Sedentário - José Guimarães

A motivação também se treina!

26.10.25

Não é um pódio que me faz feliz, mas o caminho até lá chegar


José Guimarães

podio_estrelaroadchallenge.jpg

Há partidas em que não levamos metas, apenas vontade.
 
A manhã em Manteigas começou assim: amena, luminosa e cheia de sorrisos. Depois de um desafio meio inusitado vindo do Vitor Dias, e depois de ter dito que tão cedo não iria participar numa maratona (pela boca morre o peixe), o meu objetivo para o Estrela Road Challenge não era o tempo, nem o lugar - era partilhar o momento. Falo com o Vítor há uns bons 14 anos, desde que comecei a correr e depois de ter criado este meu blog, pois o Correr por Prazer era das poucas fontes de informação que na altura existiam e às quais eu recorria com bastante frequência. Um pouco frustrados por não ter hipótese de treinar altimetria (ou até tempo de qualidade para correr distância), o maior objetivo era assim acompanhar os amigos, apoiar a prova do Armando Teixeira e sentir a Serra da Estrela por dentro, com aquele misto de respeito e fascínio que ela impõe, sempre que me atrevo a desafiá-la. E este seria um desafio bem original!
 
A maratona do Estrela Road Challenge é simples de descrever e dura de se viver: os primeiros 21 quilómetros são a subir de Manteigas até à Torre; e depois, os outros 21 quilómetros restantes, a descer de regresso a Manteigas. São 1.300m D+ e mais outros tantos 1.300m de desnível negativo. Mas os números, por muito duros que sejam, nunca contam toda a história.
 
Na subida, não mais do que 10 minutos depois da partida, percebi que estava a correr rápido demais! Via corredores a passar por mim, passava por outros e, a tentar acompanhar as fortes pernas do "velhote" ao meu lado, o relógio já marcava mais de 160 bpm!!! O corpo pedia calma, mas o ego sussurrava o contrário. E foi aí que fiz a escolha certa: abrandar. Não por fraqueza, mas sim por sabedoria, com um misto de uma vontade de fazer xixi que não dava para ignorar (!). Disse ao Vìtor para continuar, parei, aliviei-me, e ao regressar dei pela falta da tal pressão de acompanhar os outros corredores, e comecei eu a fazer a minha própria corrida.
 
Aprendi - depois de alguns anos nisto - que, na montanha e na vida, quem se conhece bem, vence mais vezes do que quem acelera. E a decisão de me acalmar deu frutos. Mesmo sem perder de vista o Vítor e um ou outro corredor do pelotão, aos poucos ia-me sentido menos cansado, as pulsações baixavam, estava a ficar com uma corrida mais estável e com menos dispêndio de energia. E assim, apesar do forte vento que se fazia sentir e do frio no topo da serra, cheguei à Torre com o coração inteiro e as pernas muito doridas, mas com uma grande vontade de continuar e de começar a descida. Esta chegada foi o alento que precisava para a segunda metade da prova.
 
E quando a descida começou, senti-me leve, solto, como se o corpo se libertasse da gravidade e eu entrasse num voo rápido... pelo menos até os últimos cinco quilómetros. Pelo caminho, fui reencontrando e felicitando de braços abertos alguns rostos conhecidos nos postos de abastecimento. Amigos de outros tempos, dessas corridas que vão tecendo uma espécie de família invisível. Tirando o xixi, não parei uma única vez na subida, mas parei umas 3 ou 4 na descida. Cumprimentar esta malta ia sendo um ritual, uma forma de agradecer por estarmos todos ali, a fazer o que mais gostamos. Mas o impacto dessa descida magnífica fez-se sentir em cada um dos últimos quilómetros antes de chegar a Manteigas. As pernas gritavam, os pés doíam, mas o espírito não podia ceder.
 
Nota de treinador: Depois de me ter inscrito nesta prova, e com menos de 2 meses para treinar, assumi as 4 semanas finais de um plano de treinos para uma maratona, treinando entre o Guincho, Malveira da Serra e o Cabo da Roca, fazendo um treino de 35 kms 2 últimas semanas antes da prova, e aproveitando este período depois para recuperar, fazer mais ginásio, e enfardar que nem um animal! Tudo isto, junto com o nervosismo do dia, o vento na Torre, o frio, o som dos passos muitas vezes solitários na estrada - tudo isso fazia parte deste teste. E como eu gosto desses testes! São eles que me recordam que o prazer está, muitas vezes, neste misto de espírito de sacrifício com o aproveitar o momento.
 
Posto isto, estrada abaixo, era ir aguentando, com a vila de Manteigas já ali ao fundo mas a tardar a chegar ao pé de mim. E quando cheguei a Manteigas, já só queria parar, respirar, abraçar os meus e tomar um bom banho quente. Não fazia ideia do tempo que tinha feito, nem da classificação. Foi apenas mais tarde, já no hotel, quando recebi uma mensagem de um amigo que me acompanhava de casa, que percebi que tinha ficado em terceiro lugar no meu escalão: o dos cinquentões! Sorri, ainda meio incrédulo. Não porque o pódio fosse o meu objetivo, nunca foi, mas porque ele era a prova viva de que o esforço - mesmo quando não é perseguido com ambição - e o trabalho bem feito e de uma forma consistente são sempre recompensados.
 
Se há uma lição que trago desta maratona é simples: o verdadeiro prazer não está na meta, mas no caminho que fazemos até lá chegar.
 
É no esforço, no espírito de sacrifício, nas decisões que tomamos quando o corpo grita e a mente duvida, é aí que crescemos. Porque o pódio é apenas um instante fotográfico. O caminho, esse sim, é o que mais nos transforma!