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Ex-Sedentário - José Guimarães

A motivação também se treina!

Seg | 22.10.12

Como (e por que motivo) corri uma ultramaratona de 166 km

José Guimarães
Há muitas coisas envolvidas quando falamos em correr longas distâncias. Quando há cerca de 1 ano e meio comecei a treinar para fazer uma maratona, cedo me apercebi que a disciplina nos treinos, a exigência física e os bons hábitos de alimentação fariam toda a diferença para conseguir atingir aquele objetivo. Desta vez, treinar para correr uma ultramaratona de 100 milhas (166 km) implicou tudo isto e algo mais: a ajuda de todos os que me rodeiam fizeram - uma vez mais - toda a diferença e empurraram-me até a reta da meta. ultimafronteratrail-equipa Algures no meio da Andaluzia, ao chegar a um “pueblo” chamado Zagra, a Teresa avisa-me: “Parabéns, acabámos de fazer 100km!!!”. A Teresa é uma valente ultramaratonista, com muita experiência em quilómetros nas pernas e foi a minha companhia durante as 28 horas que levaram a concluir neste fim de semana o trail Ultima Frontera, em Espanha. Atingir uma marca que nunca havia atingido antes é, por si só, algo a registar. Daí ter combinado com a Teresa para que me avisasse assim que o relógio batesse no sinal mítico dos 100 km... três dígitos! Imaginar isto há 1 ano atrás... quem diria? Independentemente de como a coisa corresse (literalmente) até ao fim, esta já ninguém me tirava.

Como corri esta ultramaratona?

Todo o fim de semana foi planeado para ser o mais "leve" possível. Leve para a cabeça, já que o estado de ansiedade era tal que, se medisse o ritmo cardíaco na véspera da prova, acredito que fosse bastante superior ao ritmo durante a prova em si. Para começar bem "a coisa", viajámos rumo a Loja, em Espanha, num grupo de 6 portugueses. Esta é, para mim, a melhor forma de enfrentar um desafio desta envergadura: em grupo. Porque partilhando aventuras e desventuras e cruzando diferentes histórias, mesmo sendo a experiência individual de corrida de cada um bem maior do que toda a minha experiência acumulada, tal facto traz-nos alguma bagagem sobre o que se pode fazer, no caso de enfrentar e ultrapassar dificuldades. Porque como dizia o Carlos (um ultra Ser humano e, por sinal, 2º classificado no final desta prova): "Nestas distâncias o que conta não é só correr quando estamos bem, mas conseguir ultrapassar as dificuldades quando somos confrontados com elas".
"Nestas distâncias o que conta não é só correr quando estamos bem, mas conseguir ultrapassar as dificuldades quando somos confrontados com elas."
Se normalmente o facto de chegar em viagem a um local no estrangeiro me causa boas sensações, chegar a um local no estrangeiro para ir correr em condições que, de alguma forma, escapam ao meu controlo, não deixa de interferir um pouco com o meu sistema nervoso. E como o estado de ansiedade (novamente) a subir depois se reflete em asneiras, potencialmente daquelas que só descobrimos quando já é tarde demais, aproveito para deixar aqui outro conselho que - no meu caso - resulta sempre bem. Tem a ver com a preparação de tudo com a devida antecedência. Quanta antecedência? Tanta quanto for necessária. A título de exemplo, a nossa viagem foi feita na 6ª feira durante a tarde e passei praticamente toda a tarde de 5ª feira a tratar do equipamento e da alimentação (há sempre coisas para comprar à última da hora) e a manhã de 6ª feira a arrumar tudo nos sacos e a separar a comida e os suplementos que iria deixar nos postos de abastecimento da prova. Isto porque a prova iria ser feita em regime de semi-autosuficiência (é assim que se diz?), ou seja, a organização só iria disponibilizar o mínimo indispensável e a alimentação principal estaria a cargo dos atletas. Apesar de algumas coisas já terem sido resolvidas muito à pressa, o resultado da preparação prévia de todos estes pontos essenciais foi nunca ter tido sentido qualquer falha ao nível da alimentação ou do equipamento, o que me permitiu fazer a prova só preocupado com correr e pouco mais. E depois há, obviamente, que contar com tudo e todos os que, de alguma forma, estiveram presentes do início ao fim. No meu caso em particular, todos me ajudaram a cumprir esta meta, como os incansáveis e sempre bem dispostos Antônio e Meire na preparação física (da ainda mais incansável equipa Hand2Hand), o João da Nutrilogia com os suplementos certos para ajudar o corpo a suportar e a recuperar de tanto desgaste (e tanto me atura com dúvidas sobre o que comprar e o que usar), a Filipa que me diz "come isto" e "não comas aquilo" (graças a ti passei 28 horas de estômago equilibrado), o Ricardo Arraias e os seus conselhos té(nis)cnicos (a lama foi mais que muita), a incansável Inês que acompanha, tira fotos, apoia as organizações, atura as más disposições e puxa pela malta cansada... e mesmo os que ficaram em casa a apoiar e os que, infelizmente, já não estão entre nós, mas cuja memória e saudade os torna sempre presentes. A todos eles só tenho que agradecer de uma forma que não cabe nestas palavras, mas que irá caber sem dúvida em relações que saíram mais fortes e que irão perdurar dentro de cada um de nós. Eis "como" consegui correr 166 km.

E porquê?

Esta talvez seja a pergunta mais difícil de responder e onde talvez apareçam as respostas mais diferentes umas das outras, mais polémicas até. Porque é que se corre uma ultramaratona? Ou porque é que se corre uma ultramaratona, logo uma com 166 quilómetros? Isto porque, teoricamente, uma ultramaratona é qualquer corrida que tenha uma extensão maior que uma maratona (42.195 m). Portanto poderia ter corrido 50 km que já teria sido uma ultramaratona. Mas então, por que motivo é que alguém corre 166 km, ou mais? Respondendo com outra pergunta: porque é um dia resolvi calçar os ténis e começar a correr? E no dia seguinte resolvi voltar a correr um pouquinho mais? A resposta imediata que me vem logo à cabeça é uma: porque quem faz isto descobriu um dia que gosta realmente do que está a fazer! E aqui entramos no lado motivacional do acto que é correr. E quem diz correr diz praticar algum tipo de atividade, neste caso em particular um desporto cujo esforço físico e psicológico é muitas vezes levado ao limite. A sensação de testar os limites sempre foi algo que o Ser humano sempre procurou. É ver o exemplo do Felix Baumgartner que tentou bater o antigo record do americano Joseph Kittinger, num salto estratosférico em queda livre a mais de 39 mil metros de altitude. A título de má comparação, nas corridas existe a sensação de se fazer um melhor tempo do o anterior ou, neste meu último caso, de fazer mais quilómetros do que a minha última marca. Não sei se tem a ver com as endorfinas ou não, mas não se pode negar que é boa a sensação, a de nos sabermos mais capazes, de nos sentirmos um pouco melhores do que no estado anterior. Confesso tenho que me manter sempre motivado com algo. E este algo é, atualmente, estabelecer e conquistar objetivos realistas. No caso da corrida, os objetivos que me dão gozo são os da distância e das dificuldades acrescidas. Conquistar quilómetro após quilómetro, etapa após etapa e superar cada dificuldade é, para mim, uma pequena vitória. Para alcançar uma vitória maior? Talvez... Cada um terá a sua vitória, o seu objetivo, o seu sonho maior. Talvez seja aquilo que toda a vida procurou alcançar e ainda não conseguiu, ou talvez seja aquilo que há meia dúzia de dias atrás descobriu que até gostava de fazer. Não interessa. O que importa é que esse objetivo exista e que sirva para nos mantermos motivados a fazer ainda mais e melhor. E se no caminho pudermos ajudar (nem que seja somente motivando) outra pessoa a fazer o mesmo, então essas dificuldades passam a ter um significado ainda mais especial. O que quero dizer com isto é que, para mim, fazer 166 km só têm significado se conseguir transpor “esta conquista” para outras áreas da minha vida, quer pessoal, quer profissional. Depois, ganhará um significado ainda mais especial se conseguir com isso motivar alguém a pôr em marcha a conquista do seu sonho, da sua meta. Porque não começar a praticar exercício físico, correr 5 km, 10 km, ou uma maratona pela primeira vez? Porque da mesma forma que há 1 ano atrás a minha meta era terminar uma maratona e ontem terminei com sucesso uma ultramaratona de 166 km, da mesma forma não acredito que existam metas impossíveis de alcançar. Há metas mais trabalhosas de alcançar do que outras, é verdade. Mas também há quem diga que o suor é diretamente proporcionar à vitória.

E agora, o que se segue?

ultimafrontera-tshirtPara já estou satisfeito. Num só fim de semana conquistei uma meta no 13º lugar, fiz novos amigos (que conquistaram os 2º, 3º, 5º e 12º lugares) e também novo alento para mais trabalho em busca dos meus sonhos. Porque eu sonho... e por vezes sonho alto (porque não?). Para já, no meu plano de treinos tenho duas semanas de recuperação pela frente e preparação para algumas provas do nosso bem composto calendário nacional. Vamos com calma e juízo. E com trabalho. Assim tudo se consegue, acreditem!

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