Hoje doem-me as pernas. Confesso que já há algum tempo que não "sofria" com este estado pós-prova, em que até um lanço de escadas me custa a descer. Doem-me as pernas, mas sabe bem. E este estado sabe bem porque cada vez que nos dói lembramo-nos como foi. No meu caso, como foi fazer o meu primeiro triatlo, na distância half Ironman: o Lisboa Triathlon 2014.
Como começou a febre dos triatlos
Se quando comecei a correr me tivessem dito que um dia iria fazer um triatlo, eu diria que o mais provável era isso nunca vir a acontecer. Quando comecei a correr (no início de 2011), nunca me passou pela cabeça vir a gostar de triatlos. Muito menos pensar em participar em desafios como um Ironman (mesmo que para já só tenha feito metade). Na verdade, a "culpa" de tudo isto é do António Nascimento, pois foi ele quem me incutiu o espírito dos triatlos, quando comecei a treinar com ele no ginásio Academia Life Club há cerca de 1 ano e meio. Desde cedo, no meio dos treinos de força começaram a aparecer uns treinos de natação, depois vieram umas horas em cima da bicicleta estática no ginásio e daí até experimentar o meu primeiro triatlo foi um pequeno passo. Lembro-me bem o quanto gostei daquela dinâmica do nadar no mar, sair da água e despir o fato, montar na bicicleta, sentir-me praticamente parado ao ser ultrapassado pelos outros, andar na roda (prática que nas distâncias longas é proibido), sair da bicicleta em andamento (nesta primeira experiência ia correndo mal), correr com o coração na boca... No sábado passei por isto tudo novamente, mas durante 5 vezes mais tempo.
Como começou o dia da prova
Na verdade o dia da prova começou alguns dias antes. Entre ir buscar a bicicleta à RBikes, fazer uns quilómetros para me habituar à nova posição de condução, preparar barras, géis energéticos, isotónicos e equipamento, deitei-me na 6ª feira já passava da 1:00 hora da manhã, o que, para quem ia acordar às 4h45 da madrugada de sábado, não seria uma prática muito aconselhável. Mas esta coisa da ansiedade faz parte de quem encara pela primeira vez um desafio que nunca experimentou antes, como era o caso deste triatlo, o meu primeiro na distância de half ironman. Portanto, para seguir os planos, às 5h30 saí de casa montado na bicicleta com a mochila às costas, para encontrar o José e a sua P5 no ponto combinado, apanharmos a Dulce (a pé) em frente à Torre Vasco da Gama e chegarmos ao check-in à hora de abertura do parque de transição (montado no Pavilhão de Portugal), com todo o tempo do mundo para preparar o material e ainda fazer um pequeno reconhecimento do local. Desta vez não andei em stress a preparar tudo à pressa. As experiências (boas e menos boas) de outros triatlos já nos permitem ter mecanismos para ultrapassar obstáculos típicos de desafios deste calibre. Uma das coisas com que estava preocupado - além de tudo o resto - era a alimentação (comidas e bebidas), que teria ser suficiente para suportar não só o esforço das horas de duração da prova, bem como o calor que se iria fazer sentir durante todo o dia. Decidi portanto que iria levar umas barrinhas pequenas de frutos secos com sal e 5 saquetas de gel com cafeína da ZipVit. E como a modalidade de maior duração prevista seria o ciclismo, seria aqui que iria apostar para não falhar nada neste campo, principalmente no da hidratação. Mas como iria transportar este material todo? Não me estava nada a apetecer transportar as saquetas nos bolsos, nem colá-las com fita cola ao quadro da bicicleta. Sem saber ainda como resolver esta questão, por sorte, durante as compras no dia anterior, encontrei no Pingo Doce um estojo escolar em formato de "charuto" que, depois de algumas artimanhas e umas braçadeiras de plástico, encaixou na perfeição na frente do quadro da bicicleta, dando assim para levar as 3 saquetas de gel previstas para os 90 km de bicicleta, bem como duas barrinhas salgadas e 4 pastilhas de eletrólitos (estas últimas para pôr dentro dos bidons de água dados no posto de abastecimento do circuito de 22,5 km), 1 pastilha para cada volta.
1,9 km de natação
Calor! O calor pedia protetor solar e esta foi uma das coisas que não esqueci: factor 50 em todas as partes expostas do corpo. Na verdade não me esqueci de nada. O azar ditaria mais tarde algumas falhas, mas nada devido a esquecimentos causados por coisas feitas à pressa. Vaselina por causa da fricção e fato de natação vestido, tirámos a foto de família e dirigimo-nos para a doca do Oceanário, onde iria decorrer a modalidade de natação. O tiro de partida foi dado com uns minutos de atraso (depois de partirem as outras categorias e escalões de prova). Nada de grave, a não ser aumentar um pouco mais o estado de ansiedade. Aqui trocam-se cumprimentos (sim, mesmo dentro de água) e umas piadas para disfarçar os nervos e desejam-se "boas sortes" a quem se conhece e acabou de se conhecer, antes de iniciarmos as primeiras braçadas rumo à primeira bóia amarela. Seja mais curta ou mais longa, a secção de natação num triatlo não tem grandes diferenças de prova para prova: há que ter cuidado com os pés do atleta da frente, com as braçadas dos atletas dos lados e, sempre que nos agarrem nos pés ou nas pernas, dar umas pernadas mais fortes para acelerar e fugir dos "tubarões". Ah! E não esquecer de olhar em frente entre braçadas, para nunca perder o rumo. Esta prova contava com uma maior divisão entre escalões e categorias de provas, portanto partiram no meu escalão (o das toucas verdes) cerca de 200 atletas, um número - por exemplo - inferior ao número de nadadores no triatlo de Alpiarça. Este facto, a juntar a uma distância mais extensa, faria com que a confusão dentro de água também fosse menor, o que fez com que a modalidade que mais estava a temer até tivesse sido a que me correu melhor entre as três. Sim, correu melhor até que a corrida. Mas já lá irei. Muito resumidamente e sem incidentes a registar, completei as duas voltas à "piscina" do Oceanário com tranquilidade, nadando sempre que possível com braçadas calmas e longas, aproveitando a flutuabilidade do fato (ainda o fato de surf) para deslizar o mais possível na água, procurando não me cansar muito nestes primeiros minutos de prova. Sim, porque afinal ainda faltavam 90 km de bicicleta e 21 km de corrida.
90 km de bicicleta
As últimas transições da água para a bicicleta têm-me provocado algumas tonturas. Já no triatlo de Alpiarça senti esta sensação e o Lisboa Triathlon não foi excepção. A saída da água foi feita de modo muito tranquilo, aproveitando para despir a parte de cima do fato enquanto corria devagar até à bicicleta, que me esperava no lugar 577 (nrº de dorsal). Mas quando parei e comecei a despir as pernas tive mesmo que me agarrar ao suporte das bicicletas: a sensação de tontura aparecia e acentuava-se a cada segundo que passava. Para não cometer nenhum disparate e arriscar-me a que a coisa corresse mal em duas rodas, optei por tirar o fato com a maior calma possível, mantendo-me agarrado ao suporte das bicicletas, principalmente quando precisava de me agachar e de me levantar novamente. Fato tirado e arrumado dentro do cesto do equipamento, aproveitei ainda alguns segundos para respirar devagar e para ver se aquela sensação de tontura passava, enquanto colocava o capacete e o restante equipamento para partir para o ciclismo. Assim que me senti em condições agarrei na bicicleta e corri para a saída do parque de transição, de onde saí 2 minutos e 52 segundos depois de ter entrado, vindo da natação. Agarrado ao guiador, pisei o sapato da esquerda, saltei por cima do quadro para o sapato da direita e devagar (por causa do empedrado) lá comecei a pedalar. O que dizer da secção de ciclismo? Apaixonante e viciante! Já há alguns dias que calculava conseguir completar a distância com uma velocidade média de 30km/h (a média dos treinos mais rápidos), o que daria cerca de 3 horas para completar os 90 km do percurso (4 voltas a um circuito de 22,5 km de extensão). O que não estava nos planos era o vento forte que soprava de norte, que fazia com que praticamente ninguém conseguisse pedalar nesta direção a mais de 30 km/h. Eu disse mais de 30km/h? Sim, mas esta velocidade não era para mim, era para os atletas que me ultrapassavam. Pelo registo do Suunto eu não consegui rodar a mais de 28 km/h rumo a norte. Claro que o que nesta direção só criava dificuldades, no regresso (a favor do vento) era uma vantagem: aproveitando ao máximo a aerodinâmica da bicicleta e do capacete, a sensação de pedalar em plano a um ritmo constante de 42/45 km/h é indescritível! Nunca tinha experimentado antes pedalar numa bicicleta como estas (de contra-relógio, aquelas com o guiador esticado para a frente) e posso dizer que esta máquina da Rbikes estava impressionante! Mas claro, não hajam perninhas e de pouco nos serve este pedaço de carbono voador em cima de duas rodas. No entanto, tudo isto ajudou - e muito - a que a média final da secção de bicicleta se situasse um pouco acima dos 30 km/h, cumprindo assim o previsto e chegando ao fim dos 90 km com o tempo de 2h53', o que para mim estava mais do que perfeito! Alguns percalços? Sim. Caso contrário isto não teria a mesma piada. Logo no final da primeira volta, na zona do retorno no Parque das Nações, depois de receber um bidon de água no posto de abastecimento e ao guardá-lo no suporte da bicicleta, este partiu-se, o que fez com que ficasse sem um dos suportes e com menos 1/2 Lt de água de reserva. Certo que também seria menos 1/2 Kg de peso na bicicleta, mas assim contaria somente com um bidon por volta, o que não estava nos meus planos iniciais. Mas às vezes temos que ter a capacidade de reinventar planos B's onde estes não existem e, assim sendo, passei a contar só com esse 1/2 Lt de água no posto de abastecimento, ao qual iria sempre juntar uma das pastilhas de eletrólitos que estavam guardadas na bolsa montada na bicicleta. E afinal essa quantidade revelou-se mais do que suficiente para o circuito que a organização tinha montado. Depois de chegar ao parque de transição nas calmas (sempre muita cautela com o empedrado do Parque das Nações), estacionei a bicicleta no local nrº 577 e 1'49'' depois estava com os adidas calçados (com os atacadores Xtenex montados) e a iniciar os 21 km de corrida.
21 km de corrida
Esta era a secção que encarava com mais confiança e - afinal - foi onde as coisas me correram menos bem. Ao sair do parque de transição e no primeiros metros de corrida, não sei quem é que me gritou (não te vi, mas ouvi) para progredir na corrida com calma. Encaixei a mensagem e logo aí refreei um pouco o impulso de correr ao ritmo dos outros atletas já em prova, o que me tinha colocado a correr logo de início abaixo dos 5 mins/km. Baixei o ritmo para poupar as forças (afinal já tinha mais de 3 horas de prova em cima) e comecei a fazer contas de cabeça, procurando não correr mais rápido e a beber sempre água nos postos de abastecimento, regrando o consumo da barra e das duas últimas saquetas de gel energético que ainda trazia comigo nos bolsos. Por azar, no primeiro posto montado a pouco mais de 1 km do parque de transição não havia água e o único líquido disponível era Coca-Cola. Isto até seria bom, já que estava calor e a Coca-Cola estava fresquinha. Só que esta bebida deixa a boca seca e "melada" passados alguns minutos a "arfar" com o esforço e o calor - o qual àquela hora já devia andar perto dos 30º C. Mas como era a única coisa que havia para beber e eu tinha uma barrinha salgada prevista para comer, assim fiz: comi, bebi e mantive o ritmo. O percurso montado este ano compreendia 4 voltas a um circuito de cerca de 5 km de extensão, pelo que, se fosse necessário, seria relativamente fácil de chegar a um ponto de abastecimento e beber água. No entanto, o calor fez das suas e poucos foram aqueles que não sentiram os efeitos do corpo a desidratar e das forças a falhar. As 3 primeiras voltas não tiveram grande história. No final da primeira volta (5 km de corrida) ingeri um gel, guardei o outro para alguma emergência e procurei manter sempre o mesmo ritmo até ao fim da prova. No início da última volta, quando o corpo já pedia alguma coisa para o despertar, optei por comer o último gel energético, mas foi com algum desespero que não o encontrei no bolso onde o tinha guardado, nem no outro bolso onde provavelmente também o poderia ter guardado... nem em nenhum dos bolsos do meu equipamento. Nada! Bolsos vazios. Nem uma migalha de uma barra para comer. Nada! Fiquei em pânico! No posto de abastecimento (o tal da Coca-Cola) pedi uma banana e o "líquido milagroso", mas não senti milagre nenhum acontecer. Na zona do percurso de terra batida, ao lado da marina, onde o calor se fazia sentir com mais intensidade, comecei mesmo a sentir o corpo a desfalecer e tive que me desligar de preconceitos e perguntar ao Luís (que já me acompanhava há duas voltas) se tinha alguma coisa doce que me pudesse arranjar. Desconfio que se ele não estivesse ali, provavelmente não tinha chegado ao final daquela volta. Consequentemente, não sei se teria acabado a corrida. Pelo menos não o tinha feito a correr. O meu estado era tal que já via o caminho a ondular com o calor, dentro de um túnel a rodopiar. Isto para não falar no ritmo, que já havia diminuído bastante. O doce do gel e o gole de água foram suficientes para levar o corpo até à meta a correr, mas em tal estado que o abraço que dei ao Bruno e à restante malta da equipa no final e à Inês e ao João que aguardavam ansiosamente a minha chegada (e acho que até gritaram por mim na reta final, mas eu não ouvi), serviram mais para me apoiar e descansar do que propriamente celebrar. Feito! Estava feito. A celebração foi curta. Fica a sensação dentro de cada um de nós. Dentro de mim, o estômago revoltava-se e debatia-se com a vontade contraditória entre comer alguma coisa e de deitar alguma coisa cá para fora. Eu sorria com uma vontade de chorar imensa. Porque afinal estava feito. Tinha atingido mais um objetivo. E é nestes momentos que tudo nos vem ao pensamento. É nestes momentos que nos lembramos das horas a fio passadas no ginásio e roubadas aos que nos acompanham de fora; das idas-e-voltas sem fim dentro da piscina nos treinos de natação; dos kms, das peripécias, de todos os buracos nas estradas por onde rolamos em cima da bicicleta; e na quantidade de quilómetros de corrida que fizemos sozinhos, acompanhados, longe de casa ou no nosso bairro, com mais ou menos vontade, mas sempre com algum objetivo maior em vista.
E agora, que mais?
Para já quero recuperar. Voltar aos treinos, nadar devagar, começar a correr um pouquinho de cada vez, mas todos os dias um pouco. O meu objetivo maior e mais longínquo é só no final de Agosto, mas esteve sempre presente em todos os momentos deste sábado, em todas as horas de treino ou fora dele e em família até. Esta também lá esteve a apoiar, junto com os amigos. Diverti-me? Sim, muito! De outra forma isto não seria possível. Porque só assim isto faz sentido.