Todos nós que aqui se reencontram gostam de correr e gostam de partilhar com os outros as coisas bonitas que a corrida nos traz, seja com companheiros de corrida, amigos, conhecidos, familiares, ou até mesmo com os que não correm. O que diríamos então se, um dia, víssemos o nosso melhor amigo a meio de uma prova, sacar daquele gel energético e, depois de o usar, deitar a embalagem já vazia para o chão em vez de para o lixo?
Felizmente isso ainda nunca me aconteceu, mas já aqui expressei várias vezes a minha indignação por ver que ainda há quem teime (ouse?) em fazê-lo. É certo que haverá alguns acidentes: já me aconteceu usar um gel ou comer uma barra energética, prender a saqueta vazia no cinto e acidentalmente deixá-la cair. Felizmente, sempre que isto me aconteceu, reparei e tive oportunidade de apanhar o meu lixo do chão. Outros há a quem isto pode acontecer e não tenham esta oportunidade. Tudo bem... acontece. Mas não acredito que a quantidade de lixo com que de vez em quando nos deparamos nas provas seja tudo fruto destes acasos. As organizações da maior parte das provas em que participo têm cuidado em colocar sacos de lixo nas zonas de abastecimento e muitas têm até bem explícito no regulamento que quem for apanhado a deitar lixo para o chão pode ser imediatamente desclassificado. Mas alguém já viu de facto esta regra a ser aplicada na prática?
Alguns (maus) exemplos
Das últimas provas que fiz, a Serra da Freita foi claramente uma das mais duras. Para aguentar uma prova desta natureza é naturalmente necessária a ingestão regular de alimentos, alguns sob a forma de gel ou barras energéticas. Aqui fiquei com muito má impressão dos atletas que, num ambiente de uma beleza natural tão impressionante e particularmente sensível, ainda deixem rasto do seu comportamento partilhado com os outros. Mas se eu pensava que esta prova tinha sido um mau exemplo por parte de alguns atletas, este fim de semana pude constactar ao longo dos últimos 15 km da Ultra Maratona Melides-Tróia algo que ninguém deseja quando decide passar um bonito e descansado dia de praia, ou seja, lixo e mais lixo espalhado ao longo da costa, semi-enterrado na areia, à mercê de ser apanhado pela maré ou mesmo já a flutuar na água do mar. É uma prova dura... duríssima (não é para todos correr 43 km na areia com mais de 30º de temperatura), mas como aqui há alguns meses disse no artigo "Qual a diferença entre um atleta e alguém que corre?", corremos o risco de, um dia, em vez de fazermos uma prova deste calibre com o apoio e incentivo de quem assiste enquanto apanha sol com a família, sermos alvo de maus olhares e de reprovação, porque afinal fazemos todos parte daquele grupo de pessoas que vem correr para a praia e sujar tudo à sua passagem. Para mim isto é inconcebível.
Sujar na estrada ou sujar no trail
Quando corremos na estrada, é mais aceitável que deixemos o lixo (sejam embalagens de gel vazias ou garrafas de água) no percurso, já que há muito mais possibilidade de limpeza eficiente e rápida logo após a passagem da prova. Isto não acontece numa extensão de praia com 43 km ou no cimo de uma montanha ao longo de uma ultra maratona de 100 km. Numa prova de trail running, coloquem o lixo numa bolsa do vosso "camelbak" reservada para o efeito, ou levem um pequeno saco de plástico para o irem armazenando. Eu uso uma bolsa de rede amovível, que faço alternar entre o "camelbak" ou o cinto de hidratação, conforme seja necessário. Isto permite-me ir guardando as embalagens vazias na bolsa até chegar ao próximo posto de abastecimento, onde esvazio o conteúdo. Uma dica para as organizações é que coloquem alguns baldes/sacos de lixo mais afastados da zona do abastecimento, no caminho da continuação da prova (50m ou 100m à frente), já que muitas vezes o retorno à prova ainda se faz enquanto se acaba de consumir algo, como uma barra, uma banana ou uma garrafa de água. Finalmente, recordo-me que quando me juntei à "família" do trail running portuguesa, uma das coisas que realmente apreciei foi a regra de "não deixar rasto", ou seja, deixar tudo intacto, como antes de lá estarmos. Sempre me orgulhei de fazer parte de um desporto que, além da vertente competitiva, muito se orgulha do meio natural em que se integra. Compete-nos principalmente a nós, que dele usufruímos, contribuir activamente para a sua preservação.