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Ex-Sedentário - José Guimarães

A motivação também se treina!

Seg | 29.10.12

O que comer durante uma ultramaratona?

José Guimarães
Fez ontem 1 semana que concluí a minha primeira prova de 100 milhas (166 km). Como consequência disso, os meus treinos desta última semana focaram-se na recuperação do corpo, ou o equivalente a dizer: pouca carga no ginásio e poucos kms nas corridas do dia-a-dia. Isto para ver se as mazelas desaparecem totalmente e fico apto a fazer aquela que talvez seja a minha última prova deste ano: o UTAX - Ultra Trail das Aldeias do XistoDurante esta última semana, muitos também foram os e-mails que recebi de algumas pessoas que em conjunto partilhavam uma questão em comum: como é que foi alimentar-me durante 166 km e 28 horas de prova? Comi gel, barras energéticas ou algum outro tipo de comida? E senti sono? Dormi? Descansei? Pois bem, passo a explicar. eat-before-long-run-1 Devo dizer desde já que o que partilho é baseado no meu parco conhecimento da matéria em causa e convido quem quiser a deixar algum comentário que possa complementar esta informação, a qual - recordo - diz respeito à minha uma única experiência deste tipo... até ao momento.

As dúvidas

Como é óbvio, quem nunca fez nada parecido tem dúvidas. Eu tinha dúvidas (e garanto-vos que não eram poucas). Sobre tudo um pouco: quantas saquetas de gel levar, quantas barras (e quais as melhores para cada situação), que tipo de alimentação poderia levar já preparada, qual poderia preparar no local, em que quantidade, etc.

Analisando as condições da prova

Para começar, a prova de 166 km seria feita em duas voltas a um percurso circular de 83 km de extensão. Começaria às 9h15 da manhã, prevendo-se portanto que a segunda volta fosse feita totalmente durante a noite. A organização referia no regulamento que iria disponibilizar comida quente (massas) nesse ponto intermédio de passagem. No resto do percurso, a alimentação seria baseada em fornecimento de água nos abastecimentos (aproximadamente a cada 15 km), sendo que aos 48 km e aos 128 km teríamos um ponto onde poderíamos deixar uma mochila com roupa para trocar e qualquer outro tipo de alimento que desejássemos, sendo que no local existiria somente água a ferver à disposição. Portanto estávamos preparados para uma prova em regime de semi-autosuficiência.

Os meus conhecimentos

Os meus conhecimentos de alimentação durante provas longas resumem-se aos testes com alimentos que fiz durante os últimos treinos longos e, no seu expoente máximo, às 14 horas que demorei a fazer o Ultra Trail da Serra da Freita. Tudo o resto foram provas de duração e de quilometragem menor. Estava portanto encontrado o meu "benchmark". Recordando a minha alimentação nessa prova, para além dos "consumíveis" habituais dos postos de abastecimento, posso dizer que o que correu melhor foram duas inovações por mim testadas durante a prova (arrisquei): a primeira foram os tremoços disponíveis nos abastecimentos e que, não só comia no local, como também trazia no bolso e ia comendo durante o percurso. A segunda foram umas saquetas de Redrate que havia levado, graças a uma dica de última hora do Hugo, as quais ia tomando uma sensivelmente a cada 15 ou 20 km. O Redrate é um pó solúvel em água e administrado via oral, cujo objetivo em traços gerais é repor tudo aquilo que o corpo perde em casos de desidratação intensa. Portanto iria levar algumas comigo, até porque não ocupam espaço nenhum na mochila. Depois há que pensar nos habituais gel e barras energéticas, claro. Costumo tomar já há algum tempo o gel da Multipower, que encontro a bom preço na Nutrilogia e onde consigo fazer uma generosa seleção de sabores. As minhas barras preferidas são as da PowerBar, porque têm uma "dose" maior de hidratos de carbono por barra, mas para variar trouxe também umas da GoldNutrition. Quanto à bebida, não podemos descurar o isotónico. Sempre preferi o sabor da Multipower ao do Gold Drink da Gold Nutrition, mas desta vez tive a oportunidade de experimentar o novo isotónico Hidra Max, da MaxForma. Além do preço bater a concorrência mais direta (na compra em quantidade podem conseguir um desconto adicional), o sabor é, na minha opinião, o melhor que experimentei até agora. Este é um fator decisivo para mim, já que ao fim de umas horas, por muito bem que saiba, já não se consegue ingerir nada a não ser água. No entanto, o sabor de uma autêntica limonada deste Hidra Max permitiu-me manter a ingestão constante deste líquido sem problemas por muito mais tempo. Fiz questão de beber um trago a cada 30 minutos de prova... e é importantíssimo manter esta regularidade, correndo o risco de ao fim de bastantes horas de prova o corpo se sentir desidratado, se assim não o fizermos. Mas tirando estes "residentes habituées" da mochila de cada corredor, sabia que as inúmeras horas de prova teriam de conter outros tipos de alimentação mais consistente, até mesmo coisas habituais do dia-a-dia. Recordo-me de aos 50 km da Serra da Freita ter comido uma canja que me soube pela vida, seguida de um café revigorante que me permitiu despertar os sentidos e seguir caminho sem demoras. Portanto nesta prova optei também por levar duas saquetas de canja de galinha para servirem de SOS e por cozer massa com pedaços de frango, para ter no ponto de de troca de roupa. Mas seria suficiente?

As dicas dos profissionais

Felizmente tive a sorte de conhecer profissionais experientes que me deram os melhores conselhos sobre como enfrentar esta longa prova.

1º passo: "quem vai para o mar..."

Como diz o ditado: "quem vai para o mar, avia-se em terra". E se por um lado a preparação física com a Hand2Hand (pelas mãos do António Nascimento e da Meire) foi crucial, também foram de extrema importância os conselhos da Filipa sobre o que comer, quando comer, etc.

2º passo: a questão mental

Antes de mais, e até por uma questão de mental, estabeleci um esquema de corrida que me pareceu ser o mais realista: iria fazer 4 maratonas. Assim poderia estabelecer um esquema de alimentação para cada uma dessas 4 distâncias.

3º passo: preparar a base

Primeiro que tudo, o consumo de gel e/ou barras energéticas iria servir como base inicial, por forma a manter a estabilidade dos níveis de glicemia, usando-os mais tarde somente como SOS. Depois separei uma saqueta com frutos secos salgados para, em conjunto com a ingestão constante de líquido, servirem como base fiável de alimentação durante os troços de corrida (mas cuidado, mastiguem bem, ou arriscam-se a se engasgarem à grande enquanto correm!).

4º passo: reforçar com mini-sandes

Preparei ainda antecipadamente meias-sandes variadas para ter não só como alimento durante a corrida, mas também para comer nos pontos de abastecimento: sandes de queijo, presunto e tomate, estas com um pingo de azeite e sal. Comia meia sandes num ponto de abastecimento e levava a outra metade para comer no ponto seguinte ou durante o troço, se tivesse fome. Com a ajuda da mochila à espera no km 48 / 128, duas sandes (4 meias-sandes) por maratona foram suficientes.

5º passo: pensar na mochila

Adicionalmente, optei por pecar por excesso e deixar ainda na mochila do km 48 / 128 alimentos a mais, logo vendo depois o que me apetecia comer. O objetivo seria ter disponível uma quantidade suficiente de hidratos de carbono em formato apetecível, que me permitisse saciar a fome e energizar o corpo ao longo da prova. Assim, ainda tinha à minha espera uma peça de fruta, uma caixa com aletria, as sandes para a outra parte do percurso, dois pedaços de tomate, sal, chocolate preto (SOS) e uma saqueta de esparguete à bolonhesa desidratado, caso fosse necessário preparar. A Teresa ainda tinha café solúvel e que aos 128 km, durante a noite e com o frio que estava, serviu para recarregar as baterias antes de seguir caminho!

6º passo: preparar o meio da prova

Como já referi atrás, o km 83 foi crucial para a alimentação. Ao chegar a este ponto e antes de trocar de roupa, a primeira coisa que fiz foi beber um batido de proteína, com um reforço de glutamina. Durante os treinos mais longos, beber a proteína mal acabo um treino permite-me dar alimento imediato aos músculos, enquanto "forro" o estômago com algo de fácil digestão, enquanto não chego a casa e como qualquer coisa mais consistente. Depois disto e da da troca de roupa, a organização daria aos atletas umas massas com molho de tomate. E a fabulosa Coca-Cola nesta fase foi como acompanhar uma excelente refeição com um bom vinho de uma excelente colheita! O resultado foi uma paragem de quase 1 hora e o recomeço da prova com a sensação reconfortante de um corpo bem nutrido e hidratado, pronto para mais duas maratonas.

O que levei mas não comi

Além disto, como optei por levar coisas a mais (não fosse o diabo tecê-las), ainda ficaram por comer algumas coisas que, ou não fizeram sentido, ou não foram mesmo necessárias. Entre estas contam-se: uma saqueta de puré de batata desidratado (do LIDL, daquele que basta juntar água e já está), batata doce, cubos de marmelada, saquetas de mel... e as barras energéticas. Pois, não comi nem uma.

A minha conclusão

É engraçado mas, se leram o livro do Christopher McDougall, Born to Run, uma ultramaratona é referida algures como "um concurso de comes e bebes, com um pouco de exercício e cenário à mistura". Mais do que nascidos para correr, nós efetivamente nascemos para comer. Não é à toa que se diz: "diz-me o que comes, dir-te-ei quem és". Portanto comer adequadamente fará sem dúvida toda a diferença, enquanto em provas desta natureza o nosso maior objetivo for chegar ao fim das mesmas com saúde para mais. Assim sendo, a conclusão que posso tirar desta minha experiência é que será sempre uma boa ideia testar diferentes comidas e tipos de nutrição desportiva durante os treinos, por forma a ver o que resulta melhor com cada um e o que nos dá a maior sensação de energia durante uma prova. Aproveitem algumas das dicas deste artigo, leiam outros artigos, tanto de profissionais como de outros atletas, testem diferentes combinações durante os treinos mais longos e afinem as melhores soluções para a corrida que vão enfrentar. E leiam as tabelas dos alimentos. Em paralelo com o vosso gosto pessoal, elas fornecem-vos a maior parte da informação nutricional que necessitam. Da minha parte, se quiserem trabalhar o corpo para fazer face às exigências, procurem e tenham uma conversa com o António Nascimento ou qualquer outro membro da equipa Hand2Hand. Se quiserem saber diferentes produtos para uma suplementação correta, visitem a loja da Nutrilogia e falem com a equipa. Tanto o João como o André serão capazes de vos dar o melhor atendimento e recomendar o produto certo para as vossas necessidades e especificidades. Lembrem-se do quanto o corpo humano se consegue adaptar e principalmente lembrem-se que aquele produto cientificamente comprovado como o melhor para determinado atleta, pode ser ou pode não ser o melhor para vocês. Bons treinos e boas provas!