Os meus super heróis: o "IronEM" Alexandre
José: Quero apresentar-te como um triatleta. Como um Ironman. Mas também como um ser humano igual a todos nós. Igual não. Porque além dos desafios a que te propões, lutas diariamente contra a Esclerose Múltipla. Antes de mais, quero pedir-te para acabares com um mito. A Esclerose Múltipla NÃO É uma doença dos ossos. Queres explicar o que é, e o que tens em concreto?
Alexandre: Efetivamente Esclerose Múltipla (EM) não é uma doença dos ossos [risos]. EM é uma doença crónica, inflamatória e degenerativa que afeta o sistema nervoso central, querendo dizer com isto que não tem cura. Normalmente a sua maior incidência é na faixa etária dos 20 aos 40 anos, afetando mais o sexo feminino. Dou sempre como exemplo o fio condutor de eletricidade que tem aquela borracha protetora. Se ela não existir e se se tocar no fio, a luz emitida pela lâmpada acaba por ter picos de intensidade. Basicamente é isso que acontece com quem tem EM. A mielina - a camada protetora do neurónio, que tem como principal objetivo ajudar na transmissão correta da informação - é vista pelo sistema imunitário como agente agressor e este começa a atacar a mesma, criando focos de inflamação (chamados de surtos), que originam uma falha na passagem da informação até ao destino.
No meu caso tive uma série de surtos: visão dupla, falta de equilíbrio, perda de sensibilidade, entre outros... ou seja, existe uma panóplia de sintomas que fazem com que o diagnóstico seja muito difícil. Não é por acaso que é chamada de “doença das mil caras”.
Como é o teu dia a dia desde que acordas até te deitares, de uma forma geral, e que cuidados específicos tens?
Neste momento, com a preparação de uma prova importante, que falarei mais à frente, o meu dia-a-dia é um pouco atípico e agitado. Desde o momento que me levanto até voltar para o descanso, o meu dia está dividido entre trabalho e treino. Treino duas vezes por dia: à hora de almoço e depois do horário de trabalho. Para além das 40 horas laborais semanais acrescento, em média, cerca de 15 horas de treinos. É uma logística um pouco difícil, porque prescindimos de bastante tempo com aqueles que mais gostamos.
E esse desgaste físico a que estás sujeito diariamente, com treinos e trabalho... como acautelas essa parte?
O essencial é o descanso. Tento sempre dormir 8 horas diárias. Tendo eu Esclerose Múltipla, a fadiga é uma constante na minha vida e, por isso, o descanso é fundamental. Contudo, desde de 2017, senti necessidade de ter um acompanhamento para as vertentes muscular e nutricional. A alimentação tem um peso significativo na nossa recuperação. Não é por acaso que se diz que somos o que comemos. Reduzi no glúten, cortei com a lactose e nos açucares refinados, todos os alimentos com potencial inflamatório. A nível muscular, o reforço é o que menos gosto de fazer, mas tem sido essencial para evitar lesões e aumentar o meu bem estar diário.
É muito importante frisar que é necessária uma adaptação do nosso corpo a esta carga horária. Quando comecei a fazer exercício, há 5 anos e com 116kg de peso, o objetivo passava por tentar correr 3km. Foi assim ao longo de 6 meses. A carga tem que ser sempre progressiva e adaptada às nossas limitações. A mensagem a passar aqui é que todos devemos respeitar os nossos limites, tentar perceber quais são e nunca, MAS NUNCA, os passar cedo demais.
Voltando há uns anos atrás, como é que soubeste que tinhas EM? Foi “culpa” tua ou é algo que simplesmente acontece?
O primeiro sintoma que tive foi uma neurite ótica, em que basicamente via uma nuvem branca através do olho esquerdo. Para se ter uma noção, era idêntico a ver através de nevoeiro cerrado. A partir daí dirigi-me ao hospital e segui os tramites normais, tendo a sorte de ser diagnosticado muito rapidamente. Falamos de um espaço temporal de 6 meses. Um diagnóstico rápido é muito importante porque, apesar de a EM não ter cura é possível de se controlar e fazer uma terapêutica é fundamental para “atrasar” a sua evolução. A EM não é contagiosa, mas a sua origem ainda é um pouco desconhecida e não se sabe muito bem a causa do seu aparecimento.
Queres deixar algum tipo de alerta, sobre o que deve ter em atenção?
Por muito insignificante que seja o sintoma que possamos sentir no nosso corpo, faz todo o sentido procurar ajuda profissional. Pequenos sintomas, como perda de sensibilidade nos dedos, podem ser indicador de que algo mais grave se pode estar a passar.
A EM tira-te forças, ou dá-te forças?
A EM, quando fazia parceria com o excesso de peso, tirou-me muitas forças. Subir um lance de escadas era uma tarefa hercúlea. Foi a minha necessidade de contrariar isso que me fez querer mais. Desejei ter saúde e, nos últimos tempos, o desporto tem sido o meu melhor amigo. Por isso hoje posso afirmar que a EM me levou a um patamar que nunca sonhei chegar.
O que é o "EM'Força" e o "IronEM"?
O "EM´Força" é um projeto da SPEM – Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla, no qual eu tenho a honra de ser o coordenador. O nosso principal objetivo é associar a superação pessoal à divulgação e, principalmente, desmistificar o que é a EM. Neste momento temos atletas nas mais variadas vertentes desportivas.
O "IronEm" é mais uma conquista pessoal. Vem muito no seguimento da minha vontade de me superar a cada ano. Basicamente é uma forma de mostrar que todos nós sonhamos e que, independentemente das nossas limitações, só dependemos de nós para os querer realizar. Quando comecei sonhava em ser maratonista e realizei esse sonho em 2014. Depois surgiu o triatlo, com a ambição de me tornar um Ironman. E assim o fiz em 2017.
“If you can dream it, you can do it”. Walt Disney
Desafios para o futuro, tens limites? Queres levantar um pouco o véu e partilhar algumas coisas?
Todos nós temos limites, os nossos sonhos não. Em 2015 estava sentado em casa a ver o campeonato do mundo de Ironman - para quem não sabe é um triatlo de longa distância, que consiste em nadar 3,8km, pedalar 180km e correr 42km - e imaginei-me ali a sentir a água salgada à espera do tiro de partida. Não sabia nadar, pedalar era uma brincadeira e tinha vindo de correr a minha maratona. Claro que sabia que iria ser muito difícil algum dia estar ali no meio daquelas 2400 pessoas. Mas sonhei e, apesar de não ser através do método tradicional de classificação, este ano concorri a 5 vagas que a organização disponibiliza a nível mundial e... fui um dos selecionados! Acredito que na vida nada acontece por acaso e esta prova é mais uma etapa desta minha luta com a EM e de lhe mostrar que, enquanto eu tiver o controlo, irei fazer aquilo que mais gosto e que me realiza!
Como gostavas que as pessoas se lembrassem de ti no futuro?
Como aquele “gaijo” teimoso que não se resigna e faz tudo para seguir os seus sonhos! ;)