Bem vindos ao início de uma onda de posts mais técnicos. Bem sei que alguns de vós já me tinham feito este pedido, portanto aqui estou a responder aos vossos apelos. Tenho algumas coisas interessantes para partilhar convosco neste sentido e uma delas é, sem qualquer dúvida, a minha apreciação sobre os sapatos de corrida que tenho utilizado nas provas. Aproveito para esclarecer que vou utilizar a denominação "sapatos de corrida" e não "ténis" (que para mim é um desporto), nem "sapatilhas", que apesar de ser um termo correto, é mais usado no norte do país. E aproveitando a minha experiência recente no UTMB, partilharei para já as minhas impressões sobre os sapatos de corrida que utilizei nessa prova. Antes de começar, devo dizer que usei dois pares de sapatos. Para quem não sabe, na grande maioria das provas longas, a organização dá aos atletas a possibilidade de trocarem de roupa e de sapatos sensivelmente a meio da prova. Pode parecer que são preciosismos, mas a sensação de trocar uma tshirt molhada e mal cheirosa por uma nova, ou trocar um par de meias sujas, molhadas ou enlameadas por umas limpinhas, é muito parecida com a sensação de tomar um duche quando chegamos a casa no final de um dia de trabalho árduo e depois vestir o pijama e calçar umas pantufas. Quem não gosta?
Os adidas Supernova Riot 6
Como a troca de roupa seria feita em Courmayeur aos 77 km, optei por usar de início os sapatos que me pareceram a opção mais confortável e tecnicamente mais adequada: os adidas Supernova Riot 6. Afinal de contas, esta seria a minha primeira participação no UTMB e ainda estava um pouco "no escuro" sobre que tipo de terreno iria encontrar - se muito ou pouco técnico, se mais ou menos "corrível" - e estes adidas já me haviam mostrado que eram um modelo bastante polivalente. Nos poucos treinos que havia feito com eles (e posteriormente durante a utilização no UTMB), os adidas Riot 6 revelaram ser uns sapatos extremamente confortáveis, tanto no conforto geral e ajuste ao peito do pé, como ao nível de amortecimento do impacto (sem sacrificar a sensação de contacto com o solo), além de possuírem uma tração hiper-fiável, muito graças à fabulosa sola Continental. Além disso, eram também os sapatos mais largos que eu tinha disponíveis, o que favorecia a estratégia de usar dois pares de meias, para aumentar o conforto ao longo das muitas horas que se previam de prova e diminuir a fricção na planta do pé. O conjunto de "língua" e atacadores dos adidas Riot 6 é soberbo, pois nem a primeira magoa o peito do pé (o meu direito é um pouco mais alto que o esquerdo), nem nunca foi necessário voltar a apertar os atacadores a meio da prova, mantendo sempre o mesmo ajuste desde o início. E se a prova foi longa! O único senão na utilização destes sapatos teria a ver com a tecnicidade do percurso, pois caso atravessássemos locais onde a probabilidade de dar um pontapé numa raíz ou numa pedra fosse maior, provavelmente sairia com uma ou outra unha magoada, já que a frente do sapato é mais macia do que aquilo que sempre estive habituado a usar, não oferecendo tanta proteção para os dedos dos pés (estou a comparar com uns Raptor ou com uns XT-Wings 3). Afinal de contas, para termos algum conforto extra temos que sacrificar alguma coisa. Mas feito o teste de fogo aos adidas Supernova Riot 6, cheguei a Courmayeur com quase 17 horas de prova e convencido que poderia continuar a usar os sapatos até ao final da prova, bastando somente trocar de meias para manter os pés confortáveis. E isto até seria verdade, não fosse a chuva insistente que caíra durante toda a primeira noite ter deixado os pés e - consequentemente - os sapatos totalmente ensopados. Na chegada a Courmayeur o resultado de ter usado uns sapatos e meias molhadas durante horas a fio estava à vista: uma bolha e uma assadura feia na sola do pé, que prontamente tratei, mas que não evitou os naturais constrangimentos.
A surpresa da segunda metade da prova
Posta esta situação - os pés a precisar de descanso e os sapatos a precisar de uma máquina de lavar roupa - tive que optar por deixar os mal tratados Riot 6 em Courmayeur e fazer a segunda metade da prova com outros sapatos. Tinha duas escolhas à disposição: as "máquinas de combate" Salomon XT-Wings 3, ou os "aparentemente-nada-trailistas-mas-muito-confortáveis" Skechers Go Run Ultra. E quais é que levei? Pasmem-se: os últimos! Nada contra os XT-Wings 3, já que estes até têm sido os meus sapatos de trail favoritos. A única questão é que os Skechers eram mais macios que os Salomon e também um pouco mais largos, tendo por isso mais espaço para a tática das duas meias. Os Salomon XT Wings 3 são sapatos muito resistentes. Até hoje têm sido a melhor opção para enfrentar os trilhos mais duros, comportando bem o pé (a ergonomia é perfeita, principalmente para quem tem passada pronadora), dando algum conforto, mas principalmente oferecendo um elevado grau de proteção, tanto ao nível do calcanhar, como - e principalmente - da frente do pé. No entanto são demasiado duros para o conforto que os meus pés magoados pediam em Courmayeur. E diga-se que os trilhos do UTMB não se revelavam de uma dureza ou tecnicidade muito elevada, sendo perfeitamente adaptados - na maior parte dos casos - a correr sem grandes sobressaltos. Assim sendo, optei pelos Skechers e a opção foi perfeita, pois permitiram-me correr leve e com muito conforto, apesar de ter que ir mais atento a obstáculos e desníveis mais acentuados no terreno. Os Skechers Go Run Ultra são sapatos feitos para corridas longas. Têm uma sola bem adaptada a trilhos menos técnicos, com um drop de 8mm, capaz de baixar para 4mm caso não utilizemos a palmilha de origem, mesmo assim sem perder o seu conforto original. Óptimos para quem gosta de correr mais "ao natural". Devido à composição e maior altura da sola, o conforto em utilizações prolongadas é realmente o fator mais favorável que estes sapatos têm. No entanto, em trilhos mais instáveis e incertos, notei que, ou usamos uma passada consciente e atenta (e preferencialmente usando o meio do pé - midfoot strike), ou corremos o risco de sofrer um entorse no tornozelo, já que a estabilidade ao nível do calcanhar não está de todo muito favorecida como, por exemplo, nos Salomon ou nos adidas. Na verdade, será como comparar água com azeite. No entanto, se excluirmos este fator, tenho que reconhecer que - afinal de contas - foi nestes sapatos que os meus pés passaram as cerca de 22 horas seguintes, tendo-se revelado um óptimo compromisso para quem procura um sapato muito confortável e leve, e adequado a trilhos pouco exigentes ao nível técnico. No final dos 168 km do UTMB, fiquei com saudades dos adidas Riot 6 e agradecido aos Skechers Go Run Ultra. E só contabilizei uma unha negra (que não chegou a cair), o que em 41 horas de prova parece-me um bom balanço final. Já agora, o meu próximo desafio vai ser o UTAX 100K... alguém adivinha quais são os sapatos que vou usar na Serra da Lousã?