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Ex-Sedentário - José Guimarães

A motivação também se treina!

Qua | 23.06.21

Quando é que recuperar se torna mais importante do que treinar?

José Guimarães

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A determinada altura, pode ser difícil distinguir se estamos simplesmente cansados dos treinos mais exigentes (o que é perfeitamente normal), ou se nos estamos a aproximar de um estado crónico de exaustão.

Quando um treinador prescreve um plano treino para um atleta, existem muitos fatores que têm que se ter em conta, além das óbvias respostas físicas e fisiológicas ao treino. Por isso, o papel principal de um treinador também é, muitas vezes, o de conselheiro, protetor e amigo. É muito comum um treinador ter que acalmar os ânimos de um atleta, mais até do que puxar por ele. E é aí que a questão se coloca: enquanto treinadores (eouatletas que se treinam a si próprios), quando é que se deve dar prioridade à recuperação e não ao treino?

Estado de espírito e motivação

Estes são dois dos melhores indicadores para avaliar se um atleta está preparado para treinar ou não. É perfeitamente normal que ao longo de uma época existam altos e baixos, e faz parte do trabalho do treinador perceber quando é que a motivação do atleta está a diminuir. Por isso, torna-se muito importante conhecer o atleta também a um nível pessoal. Se ele se está a sentir estranhamente em baixo ou sem a energia habitual, talvez um ou dois dias sem treinar consigam fazer um "reset" aos seus níveis de motivação. Antes de fazer frente a um grande período de treino, há que ter a certeza de que o estado de espírito e a motivação estão estáveis e prontos para enfrentar os desafios que aí vêm.

Lesões

É importante estabelecer logo desde início algumas linhas orientadoras, sobre o que fazer no caso de acontecer alguma lesão ou outros tipos de reveses, para assim se estabelecer logo de início uma boa relação entre o treinador e o atleta. Assim, o atleta ficará a perceber quando é que deve pedir ajuda a um outro profissional, como um médico, ou fisioterapeuta, o que é muito importante para ajudar a manter a sua forma física o mais constante possível.

É muito importante estabelecer desde o início uma linha de comunicação direta e muito honesta entre o treinador e o atleta. Há muitas coisas que um treinador pode fazer para manter e até maximizar a performance de um atleta lesionado, que podem passar por direcionar as horas de treino para o ginásio, identificando limitações físicas, aproveitando para corrigir desequilíbrios musculares, etc. Enquanto um atleta recupera de uma modalidade, poderá treinar outras modalidades que sirvam como complemento ao treino habitual. Criar um ambiente positivo e orientado para objetivos, pode ajudar a manter um nível emocional e físico saudáveis. 

Meio ambiente

Muito provavelmente, o melhor "barómetro" para saber se um atleta está ou não preparado para treinar é o seu meio ambiente envolvente. Explicando a vida como um balde, há de chegar a altura em que teremos o balde tão cheio de coisas, que se torna importante começar a selecionar prioridades. Quando se aproxima uma prova, por exemplo, teremos com certeza o nosso balde cheio de treinos importantes que não podemos falhar. Mas também teremos coisas permanentes na nossa vida, como o trabalho, a família, eventos sociais, etc. Até mesmo em férias, o balde pode estar cheio de distrações que vão para além dos treinos. É assim importante perceber quando é que o nosso balde está demasiado cheio de coisas - sejam elas quais forem - para, nesse momento, saber parar e voltar um pouco atrás. Caso contrário, o atleta irá ficar sobrecarregado de coisas a mais em mãos, sentir-se-á exausto e muito provavelmente vai sentir-se desmotivado.

Coisas não-negociáveis

Regra geral, as pessoas que correm são pessoas muito motivadas e que têm um desejo intenso de ter uma boa performance, tanto nos treinos, como nas provas. Isto é perfeito no que toca às corridas, mas às vezes pode originar casos em que a saúde sai de alguma forma prejudicada. Nos casos de atletas que fazem mais do que o que está planeado fazer, ou até sentem dores e mesmo assim continuam no "red-line", há algo que se pode utilizar a que se dá o nome de "não-negociáveis". Estes "não-negociáveis" são termos que têm que ser acordados antes de um atleta iniciar um plano de treinos e abordam temas como nutrição, sono, stress e movimento, desempenhando um papel fundamental não só na vida do indivíduo, como na sua prontidão para o treino:

Nutrição

O nosso tipo de dieta ajuda o corpo a recuperar os tecidos danificados e a distribuir a energia que necessitamos ao longo do dia. Se um atleta não tem uma boa relação com aquilo que come, provavelmente isso vai influenciar negativamente muitos fatores diretamente associados com a prontidão para os treinos.

Sono

O sono é o melhor tipo de recuperação que podemos ter, já que liberta hormonas que vão ajudar o nosso corpo a se adaptar aos estímulos que recebe nos treinos. Por isso, é muito importante monitorizar não só a quantidade como a qualidade do sono ao longo de uma época e fazer ajustes, se forem necessários.

Stress

O stress é lixado, surja ele nos treinos, ou na vida diária de um atleta. É por isso importante que um treinador perceba (e que um atleta o ajude a perceber) quais são as fontes de stress a que um atleta está sujeito, para que possam ser feitos ajustes ao plano de treinos, sempre que for necessário. Se um atleta está a ser alvo de uma fonte de stress constante, é mais do que certo que isto vai impactar a sua relação de longo prazo com o seu desporto favorito, podendo inclusive resvalar para a sua vida profissional e pessoal.

Movimento

Por último, vamos falar do movimento. Há que garantir, antes de mais, que um indivíduo está preparado para treinar. É importante saber se algum tipo de lesão (mesmo que antiga) que possa eventualmente vir a prejudicar um plano de treinos, e isso pode descobrir-se realizando movimentos básicos e avaliando a resposta aos treinos. É importante que um atleta esteja sempre debaixo de olho, mesmo que os treinos sejam feitos de forma virtual (online). E se há dúvidas sobre a posição em cima da bicicleta, a postura a correr, etc, então o melhor é mesmo recorrer a um serviço especializado de avaliação. Quanto mais se trabalhar a qualidade do movimento, melhor será a qualidade do treino.

Conclusão

Dito isto, é importante que se tenha uma abordagem multidisciplinar a um plano de treinos, devendo este ser revisto ao longo de uma época, às vezes mesmo de forma diária. É importante estabelecer também várias vias de comunicação com as várias especialidades, trabalhar na lista de items não-negociáveis entre alteta e treinador e ter um programa de treinos flexível para, caso nesa necessário, fazer as adaptações necessárias à vida do dia-a-dia.

Fonte: Training Peaks