Relembrar Francisco Lázaro
Francisco Lázaro é o atleta que dá o nome à rua onde eu moro. Morreu no dia 15 de Julho de 1912, durante a primeira participação portuguesa nos Jogos Olímpicos, na Maratona de Estocolmo (Suécia). A primeira morte de um atleta durante os Jogos Olímpicos deixou Portugal de luto e impressionou o mundo, como registou a imprensa da época.
Na sua curta carreira como atleta, Lázaro obteve uma primeira vitória importante em 1908, na chamada "Maratona Portuguesa", uma corrida de 24 km. Em 1909 não competiu, devido a problemas de saúde. Regressou em 1910, triunfando na primeira maratona realizada em Portugal numa distância próxima da olímpica (42,8 km), registando 2:57:35 e deixando o 2º classificado a 15 minutos. No ano seguinte, Lázaro venceu de novo, desta vez com o tempo de 3:09:57, passando a gozar de enorme popularidade junto do público.
O ano (olímpico) de 1912 começou da melhor maneira para o fundista lisboeta, que registou um "tempo-canhão" na maratona, ao fazer em 2:52:08 um percurso de 42,2 km particularmente difícil por incluir estradas esburacadas e a subida da Calçada de Carriche. Como quatro anos antes, em Londres, o vencedor da maratona olímpica tinha registado um tempo à volta das 2 horas e 55 minutos, os portugueses logo viram em Lázaro um sério candidato à vitória em Estocolmo.
Sem treinador (no país não existiam técnicos), a preparação do atleta para os Jogos Olímpicos de 1912 - os primeiros em que Portugal participou - ficou entregue a si próprio. Acabado o dia de trabalho, Lázaro corria todos os dias de Benfica até S. Sebastião da Pedreira, desafiando, no percurso inverso, os eléctricos.
Os Jogos de Estocolmo - realizados entre 5 de Maio e 27 de Julho de 1912 - revelaram uma boa organização, numa competição em que participaram 2.407 atletas de 28 países (pela primeira vez representando os 5 Continentes) disputando 102 provas. A representação portuguesa foi confiada aos atletas Armando Cortesão, António Stromp e Francisco Lázaro, aos lutadores Joaquim Vital e António Pereira e ao esgrimista Fernando Correia, sob a chefia deste último, que também desempenhou funções de dirigente. Na cerimónia de abertura dos Jogos - que constituíram a V Olimpíada da era moderna - Portugal desfilou entre a Noruega e a Rússia. Lázaro transportou a bandeira nacional. À medida que as provas decorriam, os portugueses iam coleccionando desilusões, apesar de Cortesão e Pereira terem dado boa conta de si.
Veio enfim a maratona, a prova onde os portugueses esperavam a medalha de ouro para Francisco Lázaro. Na véspera, os concorrentes foram submetidos a uma rigorosa inspecção médica, que rejeitou alguns dos candidatos; Lázaro passou, com nota de "bom". A maratona realizou-se a 14 de Julho de 1912, um domingo. Francisco Lázaro almoçou às 10 horas. Estava confiante. Pouco depois foi levado de automóvel para o estádio, dirigindo-se imediatamente para o balneário. O calor era sufocante: 32º à sombra! Com quase todos os atletas já em exercícios de aquecimento na pista, Lázaro não aparecia. Preocupados, Cortesão e Vital correram para o balneário e nem queriam acreditar no que viram: Lázaro estava a untar o corpo com sebo! É de referir que naquele tempo, o problema de "emborcação" (fomentação com um líquido oleoso na parte enferma de um corpo) era muito comum entre os atletas de pedestrianismo e de ciclismo. Por isso, aquela não tinha sido certamente a primeira vez que Lázaro se untava com aquele tipo de emborcação, que se acreditava "assegurar a elasticidade e perfeita mobilidade dos músculos de que se exigem os esforços mais efectivos, tornando-os insensíveis à dor e à fadiga e evitar tanto quanto possível as cãibras (...)". De qualquer das formas, Lázaro não teve em conta a temperatura de mais de 30º a que iria correr. Cortesão e Vital quiseram limpá-lo, metendo-o debaixo de um chuveiro, mas já era tarde. Só houve tempo para empurrar Lázaro para fora do balneário. E ele lá foi correr a maratona todo besuntado, com os poros da pele tapados, o que impedia a transpiração cutânea. Alem disso, apresentou-se de cabeça destapada perante um sol de rachar, no que foi acompanhado apenas pelo maratonista japonês, entre 71 concorrentes!
Lázaro começou bem a corrida de 42,2 km, na cabeça do pelotão. Os restantes 5 portugueses foram estrategicamente colocados ao longo do percurso, para ajudarem Lázaro. Ao km 15, ao passar por Vital, Lázaro era 27º, com um atraso de 4 minutos para o líder da prova. Mas o atleta luso estava fresco e corria muito à vontade. Ao km 25, quando passou novamente por Vital, era 18º, mas seguia de muito perto os homens da frente. Disse que estava bem, apenas com sede, tendo bebido sofregamente a água que lhe foi dada. No km 35, Pereira e Stromp aguardavam pela passagem de Lázaro, que nunca mais chegava, deixando-os preocupados. Também alarmados, Cortesão e Fernando Correia, que estavam no estádio, entraram numa viatura e cumpriram, no sentido inverso, todo o percurso, sem encontrarem sinal de Lázaro. Até que a triste notícia lhes foi dada por António Feijó, embaixador na Suécia: ao km 29 Lázaro tinha cambaleado, caído por várias vezes e por várias vezes se levantado para continuar a prova, até cair para não mais se levantar. Francisco Lázaro terá entrado em desequilíbrio hidro-electrolítico irreversível e, consequentemente, em colapso. Levado para o hospital, viria a falecer às 6h30 da manhã do dia seguinte.
Reza a história que, antes da partida, Lázaro afirmou solenemente: "ou ganho ou morro". E assim se cumpriu o destino.
Fonte: Xistarca / "Jogos Olímpicos, 1896 Atenas 2004", Quid Novi, 2004