Mais do que falar sobre o Grande Trail da Serra d'Arga, porque com certeza muitos vão ser os bons comentários sobre a prova deste fim de semana, gostava em alternativa de deixar aqui umas palavras sobre a Serra d'Arga. Creio que se justifica, já que no ano passado não foi possível nem aproveitar as suas excelentes condições para a prática do trail running (todos se lembram do temporal que caiu no dia da prova e que obrigou a organização a cancelar a mesma a meio), nem sequer aproveitar as belíssimas paisagens que se estendem de Caminha à vizinha espanhola Galiza e sei eu lá mais onde.
O património da Serra d'Arga
Localizada numa região do Alto Minho que se divide por quatro concelhos (Viana do Castelo, Ponte de Lima, Vila Nova de Cerveira e Caminha), a Serra D’Arga situa-se entre o rio Lima e o rio Minho. Situada no sistema montanhoso Peneda-Gerês, a Serra d'Arga é de origem granítica. O isolamento e a dureza do clima da serra há muito tempo que aguçou as artes de quem cá tinha de viver. Pontes engenhosas, moinhos de água e calçadas empedradas, são algumas provas de como o homem se adaptou à vida na serra. Ao longo de todo o percurso somos brindados por belíssimos cursos de água que rasgam a serra e interrompem o silêncio que nos rodeia. A riqueza geológica das Argas vão dando a este percurso um toque especial, onde muitas vezes encontramos marcas dos tempos de exploração do volfrâmio. A serra está encimada por um planalto a pouco mais de 800 metros de altitude (sim, passámos por lá... e que longa foi a subida) e tem instalado um parque eólico que aproveita da melhor maneira os ventos fortes que ali se fazem sentir (e por onde também pudemos passar, já perto da fase final do percurso). Toda a Serra D'Arga está repleta de património natural, como quedas de água, piscinas naturais, terrenos férteis, pinheiros mansos e bravos, carvalhos, castanheiros e cedros. É também frequente encontrar rebanhos de cabras e ovelhas, bem como alguns animais selvagens, como coelhos, javalis, raposas, perdizes e o lobo, que infelizmente corre perigo de extinção. Não sei se todos puderam observar, mas por duas ou três vezes enquanto corria, lá bem no alto da serra, tive a sorte de me cruzar com alguns bandos de cavalos selvagens, os garranos. E não eram poucos. Assim por alto, contei num dos bandos pelo menos uns seis cavalos, além de duas crias. Infelizmente, tanto para a flora como para as pernas dos atletas, a serra está a ser invadida pelo arbusto com o nome bem sugestivo de "háquea-picante" (Hakea sericea). E por tantas vezes que eu amaldiçoei estes arbustos, fosse pelos cortes frequentes que causavam nas pernas que já não se permitiam a grandes desvios, fosse pelas mãos que, no caso de uma ou outra subida mais íngreme ou escorregadia, procuravam algum apoio e ZÁSSS!!! aquilo que encontravam eram estes simpáticos arbustos... picantes!!!
A que soube correr o Grande Trail da Serra d'Arga?
Ponto assente, contra dificuldades e contrariedades soube bem correr o Grande Trail da Serra d'Arga. Aliás, soube mesmo muito bem! O percurso é difícil: são 45 km e cerca de 5.000 m de desnível acumulado. Corrijam-me se estiver enganado, mas é "muita fruta"!!! Além do mais, quem como eu não pôde estar presente até ao fim das jornadas técnicas e assistir ao briefing do percurso, foi um bocado apanhado de surpresa, quando no final já contava correr até ao fim e, afinal, ainda tinha pela frente uma "bela" subida que deu cabo de muitos quadricípites que, ao serem sobrecarregados na subida, depois ressentiram-se na descida. Mas é para isso que servem as jornadas técnicas. E é para isso que servem os amigos que, durante o percurso, iam trocando impressões da distância final da prova. Obrigado por isto a todos! E muito se falava no final sobre a dureza extrema da prova. Mas a dureza faz parte da beleza destas provas. Se assim não fosse, será que existiriam entre os amigos e nas redes sociais comentários como "BRUTAL!!!" e "Para o ano lá estarei novamente!" e outros semelhantes? Não, com certeza que não. O Carlos Sá dizia no final da prova - e com razão - que, apesar de estar muito "na moda" fazer trails cada vez mais longos, isto demonstra como é perfeitamente possível organizar um trail mais curto, mas de dificuldades acrescidas. O trail running é assim mesmo. É para ser desfrutado durante o percurso, quando se ultrapassam barreiras naturais, físicas e até mentais. É para ser desfrutado no dia seguinte, quando os músculos doridos nos fazem lembrar aquele momento de dor enquanto se trepava aquele penedo enorme e o bem que soube quando, já no topo pudemos respirar de novo normalmente, admirar por segundos a paisagem e de novo voltar à corrida, restabelecidos... até à próxima dificuldade. Lembro-me de alguém perguntar nas jornadas técnicas como é que se superavam certas dificuldades e condições extremas em provas desta natureza. Lembro-me da resposta: "São precisos dois pares de ténis, dois frontais e... dois pares de pernas!" E o caminho é mesmo este: sabe-se o que se quer, trabalha-se para isso e conquista-se aos poucos o nosso lugar nesta vida. É fazer o que mais se gosta e usufruir o que de melhor a vida tem para nos oferecer, como superar os desafios (e a nós próprios), usufruir da natureza e partilhar com os amigos. Escusado será dizer que o Carlos Sá, a Desnível Positivo e todos aqueles que participaram na ótima organização desta prova estão de parabéns. A qualidade e simpatia com que os atletas eram recebidos nos fartos abastecimentos, as fabulosas condições do percurso, a ajuda do staff e a pronta assistência que vi ser prestada ao único caso de queda mais aparatosa que assisti, colocam esta prova num patamar de referência do trail running nacional. Prova disso é também o convívio com uma das lendas da modalidade, o senhor Marco Olmo, que neste fim de semana nos brindou com a sua presença, tirou um sem número de fotografias com um sem número de entusiasmados atletas e nos inspirou com a sua filosofia de vida. Quanto a mim, hoje é dia de seguir em frente e de trabalhar para o próximo desafio que já se avista no horizonte... bem próximo por sinal. Hoje há que ir correr um pouco e alongar devidamente, para tirar o empeno das pernas e seguir à risca o plano de treinos estipulado pelo António Nascimento, um ultra-Ser de outro planeta que tive a sorte de conhecer e cuja experiência e conhecimentos muito me têm ajudado neste percurso... e que neste fim de semana também tive o prazer de ver sorrir no meio desta cada vez maior família do trail running. A tal família que acompanha nos momentos bons e menos bons, que estende a mão quando dela precisamos, que ajuda a concretizar sonhos, como o da Analice, uma história que inspira a todos! Por último, mas não menos importante, queria deixar um destaque para a companhia incansável daqueles que, quer presentes, quer ausentes (os arrepios sentidos sozinho, lá bem embrenhado na natureza, são a prova que também estes me acompanham a toda a hora), mas sempre sorrindo, me vêem acompanhando em todas estas etapas de vida, sem o apoio dos quais isto seria certamente mais difícil de concretizar.
Visitem a Serra d'Arga e carreguem baterias
Deixo aqui um convite para quem, mesmo não sendo corredor, mas queira conhecer melhor este bonito pedacinho do nosso país, que o faça sem reservas. Programem um fim de semana para carregar baterias com ar puro e procurem o CISA - Centro de Interpretação da Serra d'Arga, uma estrutura da Câmara Municipal de Caminha que está orientada para o desenvolvimento de atividades de educação ambiental, divulgação, valorização e promoção do património ambiental e cultural da Serra d'Arga, turismo de natureza, como percursos pedestres interpretativos, visitas de estudo, ateliers de educação ambiental, mini biblioteca e venda de materiais promocionais e produtos locais. Fontes: Caminha MunicípioNicho Verde - Desporto, educação, ambienteWikipedia