Cerca de 3 quilómetros separam a Praça José Fontana (perto do Saldanha) da Praça de Espanha. Foi esta a distância que percorri no último sábado, dia 15 de Setembro, ao longo de uma caminhada diferente, em marcha lenta. Propositadamente muito lenta, para que, desta forma, se conseguisse demorar o tempo suficiente para que as muitas milhares de vozes que caminhavam juntas se fizessem ouvir em uníssono. Para conseguirem assim elevar o seu protesto contra "algo" que ninguém pode adivinhar como vai terminar. Entre velhos e novos, eu fui mais um, talvez porque um bocado de mim precisou também de dizer que alguma coisa não está bem neste dia-a-dia, em que muitos vão tentando sobreviver, um dia de cada vez, ora meio a andar, ora meio a correr. Talvez a maior parte das pessoas que me acompanha ainda não saiba, mas o De Sedentário a Maratonista... perdão, o José Guimarães (a pessoa que, por acaso, há uns tempos era sedentário e agora corre ultra-maratonas) está desempregado. Não é uma situação recente. Aliás, já dura há quase 2 anos. E em parte, esta situação de desemprego foi a ocorrência que me deixou com demasiado tempo em mãos e à procura de um novo rumo para dar à vida. Confesso isto, não porque quero que sintam pena de mim, mas porque este é, afinal de contas, um "cantinho" de partilha. E porque, entre acontecimentos felizes e contrariedades, gosto que me conheçam tal como sou. Actualmente (ainda) sou um daqueles tais quase 16% que em Portugal não consegue arranjar emprego por conta doutrem. No entanto, trabalho para algumas provas que quero concluir com sucesso. Dessas de correr e das outras do trabalho. Assim sendo, faço uns biscates aqui e ali e dedico-me à minha actividade como "freelancer", chamam-lhe uns... precaridade, chamam-lhe outros. Tem dado para sobreviver, mas falta-lhe algo.
A minha corrida
Desde que alguns factos recentes ocorreram na minha vida e que me senti a dar um "trambolhão", que tenho estado mais ligado ao que me faz feliz. Essencialmente coisas simples. Recordo-me que, quando era pequenino gostava de nadar, gostava da vela e da canoagem. Recordo-me da minha Esmaltina (de ferro, pesadona) e de algumas aventuras, pedaladas no meio dos pinheiros do Jamor. Recordo-me com saudade, porque muitos anos se passaram e muita coisa se "diluiu" nos quilos de tempo que se foram acumulando no meu corpo. Mas não se perdeu a vontade, fruto daquela vozinha que das nossas entranhas nos diz que gostamos mais DISTO ou DAQUILO! Felizmente que algo em mim despertou e me fez um dia (com mau tempo, por sinal, dia de contrariedade) dar-me ao trabalho de calçar um par de ténis e experimentar uns passinhos mais acelerados na praia de Carcavelos... Cansei-me como nunca! Mas foi o início de tudo. [caption id="attachment_2104" align="alignnone" width="300"] Praia de Carcavelos: estava assim o dia em que experimentei correr pela primeira vez[/caption] Alguma coisa mudou nos dias de hoje. A metamorfose tornou-se visível. Por fora, mas também por dentro. Faço muita meditação enquanto percorro quilómetros no asfalto, nos trilhos ou no cimo de alguma montanha deste nosso (apesar de tudo) bonito país. Sim, medito muito enquanto corro. Como nunca consegui meditar ao estilo dos praticantes de Yoga, encontrei no acto de correr um estado de espírito que naturalmente me "desliga" do mundo dos vivos, faz-me "voar até lá acima" (ou cá bem para dentro) e depois traz-me de volta, quase sempre mais lúcido. Nesses momentos aproveito para pensar como me sinto, na fase que atravesso e onde quero chegar.
A crise...
O presente não é uma fase simples. A falta de recursos faz com que não possa fazer algumas das coisas que me dão gozo fazer na vida, uma das quais é participar numa data de provas, daquelas em que podemos rever os amigos, conviver e sorrir, enquanto se transpira de realização pessoal. E calculo que não esteja sozinho. Basta ver a frequência com que me cruzo durante o dia com pessoas de todas as idades a correr, a andar de bicicleta ou a caminhar, seja onde for: passeios marítimos, jardins, cada vez mais em horários que, regra geral, seriam dedicados ao trabalho. Por um lado assiste-se a um crescente número de pessoas a praticar exercício físico, de novos a mais velhos, o que é bom. Mas por outro lado, ao fazerem-no em horários que há uns anos atrás não se via, quer-me parecer que algo mudou. E em que será que pensam enquanto correm?
Objectivos e finalidades
Se por um lado acredito que se há pessoas com falta de recursos e com limitações a mais, impostas por outros que - supostamente - nos governam, também assisto ao aparecimento de casos de sucesso como não se viam há uns tempos atrás. Casos muitas vezes pequenos, mas de criatividade e imaginação enormes aplicadas à prática. Casos de empreendedorismo capazes de proporcionar algum valor aos outros e de gerar algum retorno. São casos de pessoas que pensaram em construir algo e meteram mãos à obra. Aproveitando o paralelismo que não me canso de fazer entre treinar para as corridas e a forma como se constrói algo, volto a tocar na importância do estabelecimento de objectivos e finalidades como forma de empreender em qualquer área da nossa vida. Muitas pessoas que querem começar a correr estabelecem algum objectivo: seja perder peso, deixar de fumar, correr 10 minutos ou 10 km, uma meia-maratona ou uma maratona. E na vida, tal como na corrida, ter objectivos claros e realistas pode ajudar-nos a atravessar o mar de contrariedades em que nos encontramos actualmente, ajudando-nos a estar motivados e concentrados naquilo que mais desejamos.
O que fazer? Como começar?
Desafio-vos a não esperar pelas resoluções do ano novo e a colocar agora numa folha de papel alguns dos objectivos que mais desejam alcançar. Para facilitar, coloquem-nos em formato de lista (bullets) e, para cada um, coloquem por baixo as acções concretas que necessitam de fazer para alcançar determinado objectivo. Por exemplo:
Objectivo: Ter tempo para caminhar mais
Acção #1: Ligar menos a televisão em casa
Acção #2: Combinar com um amigo uma caminhada
Acção #3: "Gostei?" Voltar a combinar e fixar no calendário um ou mais dias para repetir a acção.
Objectivo: Correr uma maratona
Acção #1: Estabelecer um plano de treinos
Acção #2: Se necessário, comprar o equipamento adequado
Acção #3: Treinar de forma disciplinada. Se necessário, procurar companhia de amigos, clubes ou outros corredores mais experientes.
Acção #4: Escolher uma prova e inscrever-se... vai ver como a motivação aumenta!
O que quero dizer com tudo isto?
Com isto quero deixar claro que, se por um lado é importante manifestar a nossa insatisfação pelo estado em que, quem nos governa, nos está a deixar desgovernados, por outro lado é igualmente importante que lutemos contra as contrariedades e que sejamos capazes de agir em prol daquilo que mais desejamos para nós próprios. Por vezes custa... e hoje custa mais do que ontem... e quer-me parecer que amanhã ainda irá custar mais do que hoje. Mas é importante ter consciência que muito do que queremos obter pode estar ao nosso alcance, sempre à custa de trabalho disciplinado e (acima de tudo) muito focado. Tal como num treino para uma maratona, em que ninguém espera contrair uma lesão, elas mesmo assim acontecem e, na maior parte dos casos, de repente e sem aviso prévio. Perante tais cenários, a necessidade de re-estabelecer os objectivos e de adaptar as acções tendo em conta a meta final é ainda maior, tal como ter a força de vontade para não desistir, para arregaçar as mangas e ir à luta! Manifestarmo-nos por algo em que não acreditamos já é sinónimo de acção. Dizermos "quero correr uma maratona" também é! E o primeiro "passo" está assim dado. Vamos ao resto! Mais fotos da manifestação aqui. Crédito fotos: José Guimarães